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COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE


COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE
"Redescobrindo a identidade"
Introdução

Temos falado muito hoje em dia de “volta às origens” ou “às fontes”. A Igreja tem percebido que o ideal de vida comunitária tem sofrido bastantes abalos nos últimos tempos, sobretudo quando percebemos que a sociedade atualmente tem baseado e construído as relações entre as pessoas, a partir do mercado, do lucro, do capital. Esta é a ótica do neoliberalismo: o relacionamento a partir do “ter”. A dinâmica da competitividade a todo custo tem contribuído para afastar a cada dia as pessoas umas das outras.

Por outro lado, há um clamor que começou latente mas que agora se tornou até mesmo estampa de camisetas de emissoras de tv não comprometidas com a causa dos pequenos, como a Globo: falamos da Solidariedade, que para nós cristãos não é só gesto de ajuda a alguém mas é atitude de proximidade, expressão de um amor sem fronteiras que nos faz sair de nós mesmos e nos interessarmos pelos outros: é a misericórdia bíblica movida pela compaixão.

As primeiras comunidades cristãs se não conseguiram viver isto plenamente, ao menos sonharam, como podemos ler em Atos dos Apóstolos no capítulo segundo, o celebre “retrato” das primeiras comunidades. A Igreja do Brasil nos convida, então, a voltarmos nosso olhar para esta primeira experiência, beber de novo nas fontes da Palavra de Deus, a fim de desenharmos um novo rosto para nossas Comunidades. Trata-se de retomar o livro dos Atos como “uma fonte inesgotável de inspirações novas, proféticas e corajosas.”[1]

Desde o início os seguidores e seguidoras de Jesus buscam a “vida comunitária”, na qual todos se conhecem e se reconhecem como irmãos, participantes do mesmo projeto, sentindo-se Povo de Deus que pratica a Justiça[2], como sacramento de Cristo[3], isto é, nas palavras de Carlos Mesters[4], se constituirem a aparição do ressuscitado no meio do mundo, a Boa Nova de Deus para todo o povo (Lc 2,10).

Deste modo, na história da Igreja, foi-se buscando meios de organiza-la a fim de “encarnar” este espírito de fraternidade e partilha, criando estruturas que sustentassem este estilo de vida inaugurado por Jesus de Nazaré e continuado pelos seus discípulos e discípulas. Assim, por força do Espírito (At 2,1-4; Jo 20,19-22) passaram a viver juntos o amor do Pai de tal modo que entre eles ninguém passava necessidade (At 4,34) e repartiam o pão (At 2,46), constituíram-se verdadeiramente “companheiros e companheiras” de Jesus. Com o passar do tempo, as comunidades foram crescendo, aumentando o número (At2,47, 4,4; 5,14). Surgem, então, a partir do trabalho missionário liderado sobretudo por Pedro e Paulo comunidades em diversas partes até os confins da terra, segundo a inspiração do Espírito Santo (At 1,8), e os confins da terra para eles figurava em Roma. Atos nos fala então do “caminho” e da “caminhada” destas comunidades – palavrinha tão cara para nós das CEBs.
Aonde vão surgindo comunidades cristãs, o evangelho vai tomando as feições da cultura local. O modo de organizar-se também se deu a partir do jeito de ser de cada povo (embora em certo momento da história tenha sido imposto apenas o modo de organizar-se da Igreja de Roma). Assim vão surgir as dioceses, para facilitar a vida de comunidade. Quando essas se tornam maiores, surgem as paróquias (tanto a diocese quanto a paróquia são do modelo organizativo de Roma) com o mesmo objetivo, e depois as capelanias, e por aí vai. Podemos perceber, então que todas estas “instituições” visavam, de início, favorecer a constituição da vida em comunidade.

Mas, nem sempre prevaleceu o “espírito” da vida comunitária, mas a “instituição” em si mesma que chegou a quase não mais proporcionar esta vida de comunhão fraterna. O Concílio Vaticano, então, na década de 60, propôs que nos atualizássemos a fim de “colaborar mais eficazmente nos problemas de nossos tempos”[5]. Problemas estes que se caracterizavam tanto na organização política-econômica-social do país (no caso do Brasil) como também, como já vimos, problema de estrutura interna da Igreja.

Neste processo, nesta mesma década surgem, ou “eclodem”[6] as Comunidades Eclesiais de Base como fruto de experiências pastorais na década de 50 e 60  e também dos movimentos populares em reação a um sistema de dominação política que acabou por desembocar em ditadura militar. Deste modo: o Concílio Vaticano II e o clamor dos pobres numa sociedade em processo de repressão foram os dois grandes impulsos para o “desabrochar” das CEBs. Queria-se, na verdade, retomar aquela experiência original: comunhão fraterna, partilha do pão, ausência de necessitados, concretização de um amor tão profundo que todos pudessem notar.

As CEBs deram testemunho disso, embora nunca tenham sido a maioria na Igreja[7], não mais que cinco por cento. Embora se caracterizem como cinco por cento “de qualidade”, isto é comprometido com a causa do movimento de Jesus[8], no anúncio e testemunho da Boa Notícia.

A década de setenta se caracterizou como um tempo de “multiplicação e amadurecimento”[9]. Surgiram os encontros Intereclesiais como uma maneira de avaliar e celebrar a caminhada desta nova experiência eclesial. A partir da década de oitenta, muitos ousaram falar num esfriamento das CEBs e de sua crise, embora não venhamos a tratar destas questões nesta cartilha, é preciso reconhecer um certo desconcerto por parte de diversos agentes de pastoral militantes nas comunidades e sua saída destas; também a mudança rápida dos cenários da Igreja com a diminuição da força dos movimentos populares, dos sindicatos, das associações de bairro, das pastorais sociais; o próprio fim da ditadura e o começo de uma outra disfarçada de democracia; o crescimento dos movimentos de espiritualidade, sobretudo aqueles de inspiração pentecostal, vieram ofuscar o agir profético das comunidades, embora nunca tenha deixado de existir, mas ultimamente de modo mais velado. Tudo isto levou as comunidades a repensarem sua tarefa, sua missão como “sementeiras de movimentos populares”[10] e também de “herdeiras do sonho de Jesus”[11]. Neste sentido, o 10º Intereclesial realizado na diocese de Ilhéus, em nosso Regional Nordeste três mostrou que as “CEBs estão mais vivas do que nunca”[12]. Mas, também souberam reconhecer que “muitas vezes falta clareza sobre nossa identidade”[13].

O regional nordeste três concordando com esta constatação das Comunidades de todo o Brasil, resolveu “confeccionar” um livreto que pudesse nos dar algumas características indispensáveis para uma Comunidade Eclesial de Base, a fim de resgatar, num movimento de memória, toda a força de transformação que as CEBs têm.

A COMUNIDADE...
É força de Deus, de Deus, de Deus,
Lugar abençoado, onde mora o Povo seu!

Aqui, neste refrão de um canto tão popular repousa o “conceito” de uma CEB:

COMUNIDADE: gente que vive junto, se reconhece como companheiros e companheiras e que não suportariam viver separados, tamanho é o laço que os une. Geralmente moram próximos. Estão localizados num determinado “lugar”, com uma determinada “cultura”. Não se trata de uma “coletividade”, sem nome, sem rosto, sem feições, sem identidade. É formada por pessoas que se relacionam amorosamente, se tornam próximas uma das outras.

ECLESIAL: Não é uma comunidade qualquer: há a consciência de ser povo de Deus reunido em torno de Jesus. É comum+unidade de seus seguidores e seguidoras (discípulos e discípulas). É Igreja. Segundo o documento vinte e cinco da CNBB. Olhando para o canto, percebemos facilmente, é “lugar abençoado” por Jesus, para dar continuidade ao seu projeto, para servir ao mundo. É este adjetivo/qualidade que nos difere de sindicatos, associações, partidos políticos, e outras instituições que também procuram o “bem comum”, mas a partir de uma outra ótica que não essencial e explícitamente o Evangelho de Jesus.[14]

BASE: Aqui se refere primeira a questão de serem “básicas”, “elementares”. São a menor célula do tecido eclesial. Para falar desta figura, recorramos a uma outra: uma fralda de algodão. A imaginemos aberta, contra a luz. Podemos perceber claramente os fios entrelaçados que somente juntos formam a fralda e deixam transparecer e chegar até nós aquela luz. Assim é a comunidade “eclesial”: como um fio que compõe o grande tecido que é a Igreja (numa instância média, a Paróquia e numa instância macro a diocese), e que é testemunha, por que deixa transparecer a Luz de Jesus. São de Base, também, porque geralmente reúnem aqueles que estão na “base” da sociedade que vivemos, que é organizada em classes, cuja base é “pobre”. Os que sentem a necessidade de unir-se para viver juntos e trabalhar pelo Reino, são aqueles que sentem o peso da exclusão social na pele (seja por que passam pela situação ou porque se solidarizam com aqueles que sofrem).

As CEBs – Comunidades Eclesiais de Base – são “motor” de transformação social e também eclesial. Muitas associações de bairro, sindicatos, grupos de mulheres e outros que reivindicam e procuram garantir os direitos das pessoas surgiram a partir do despertar da consciência e do agir político proporcionados pelas atividades das Comunidades. No campo eclesial, muitas paróquias e pastorais têm renovado seu estilo de evangelizar graças ao empenho em “assumir” as feições das culturas nas quais estão inseridas, em desenvolver uma catequese que forme cristãos e cristãs conscientes de seu papel na Igreja e na sociedade; têm-se desenvolvido liturgias que valorizam os ministérios leigos; Tudo isto graças também à dedicação à redescoberta da Palavra de Deus. A Vida ganha novo sabor quando comparada com as Escrituras... a nossa vida penetra no “Livro” e o “Livro” penetra na vida da gente.

Estas são características bem gerais das comunidades eclesiais de base que a gente vai procurando esclarecer daqui para a frente.


AS CEBs NOS DOCUMENTOS DA IGREJA


As CEBs propõem-se um jeito de ser Igreja que preza dois aspectos essenciais de uma comunidade cristã: a comunhão e a participação (duas bandeiras levantadas e assumidas em Puebla). Neste sentido, é relevante para elas o reconhecimento por parte do episcopado e de toda a Igreja Universal. As CEBs como a menor expressão eclesial, não pode deixar de estar ligada às outras comunidades e conseqüentemente a seus pastores e a todo o Povo de Deus.
Neste contexto, a Igreja não somente “aprovou” esta maneira de constituir –se comunidade, como também recomendou e no caso da Igreja no Brasil e na América Latina, a assumiu como “centros de evangelização e motores de libertação e desenvolvimento”[15].

Por isto, é muito importante, seja para resgatar e fortalecer nossa identidade, seja para melhor compreender o papel evangelizador que é próprio das Comunidades, conhecer aquilo que nossos pastores têm a dizer desta sempre nova experiência eclesial.

CONCÍLIO VATICANO II

Mesmo não se dirigindo explicitamente às Comunidades Eclesiais de Base, em cujo período conciliar estavam em fase de germinação, a nova mentalidade trazida pelo Concílio Vaticano II, deu margem ao trabalho posterior elaborado pelas CEBs.

-          No reconhecimento do papel indispensável dos leigos (...)
-          Na concepção de uma Igreja Ministerial (LG e AA)
-          No entendimento da missão profética da Igreja (GS)
-          Ser Igreja (LG 26)

CONFERÊNCIA DE PUEBLA – (DP)

Neste encontro dos Bispos da América Latina, ficou claro o papel e a natureza das Comunidades Eclesiais de Base e o seu reconhecimento como Igreja “celular”, básica.
Reconhece que as comunidades, sobretudo as CEBs, proporcionam maior inter-relacionamento entre as pessoas que a ela estão ligadas, e ajudam no amadurecimento da fé, gerando compromissos de transformação pessoal e social, tudo isso a partir das luzes do Evangelho.[16]
Os bispos em Puebla percebem a força de renovabilidade das pequenas comunidades que favorecem uma “conversão da paróquia”, que se abre para a comunhão com as demais paróquias da diocese a que pertencem; se torna centro de animação das comunidades pequenas e se propõem ser mediadora daqueles serviços mais gerais, os quais as comunidades menores estão privadas; é responsável por promover a unidade entre comunidades, grupos e movimentos, superando o conflito entre “função administrativa”  e “pastoral”, sendo que muitas vezes a primeira sobrepõe a segunda. Também, estas mesma paróquias sentem a “necessidade” de criar núcleo menores para a vida comunitária de seu povo.[17]
“Conceitua” a comunidade eclesial de base enquanto
“Integradora de famílias, adultos e jovens, numa íntima relação inter-pessoal na fé.”
Sendo “comunidade de fé, esperança e caridade; celebra a Palavra de Deus e se nutre da Eucaristia.”
“Realiza a Palavra de Deus na vida, através da solidariedade e do compromisso com o mandamento novo do Senhor e torna presente e atuante a missão eclesial e a comunhão visível com os legítimos pastores, por intermédio do ministério de coordenadores aprovados.”[18]

Se percebe claramente em Puebla o desejo de tornar as CEBs uma experiência fundamental para os cristãos latino-americanos. D. Pedro Casaldáliga falava numa reunião de assessores que as CEBs são “o jeito normal” de a Igreja ser. Isto não significa uniformidade, mas se reconhece nelas aquele desejo original das primeiras comunidades da vida em comum. As outras instituições ligadas à Igreja diocesana e paroquial não são descartadas, mas direcionadas a essa “necessidade eclesial primária”: ser comunidade. No caso da América Latina, Puebla vê nas CEBs o encarnar deste “espírito comunitário”.

Além de em Puebla se ressaltar toda esta positividade das comunidades, os bispos não deixam de notar possíveis manipulações políticas e possível perda de identidade como conseqüência do enfraquecimento de sua dimensão eclesial  (de ser Igreja, comunidade de fé), devido à falta de atenção para com sua formação e desenvolvimento em algumas partes.[19]

EVANGELII NUNTIANDI – (EN)

A Evangelii Nuntiandi, significando a Evangelização no Mundo Contemporâneo, carta apostólica do Papa Paulo VI, traz algumas considerações específicas a respeito das CEBs, ou, na linguagem da EN, das “pequenas comunidades”[20].
Há algumas expressões que nos fazem bem referir:

-          As CEBs são capazes de revestir a experiência de fé de uma dimensão “mais humana”. Paulo VI reconhece que as grandes comunidades (como a paróquia, por ex.) não favorecem o desabrochar de um vivência comunitária, mas de uma “vida de massa e o anonimato ao mesmo tempo”.[21]
-          É capaz de aprofundar as relações interpessoais, a partir da fé e suas manifestações, a própria estrutura de convivência de caráter mais cultural e sociológico.  Também são capazes de, convocar e “congregar” grupos homogêneos para uma meditação  da Palavra de Deus, para a vida sacramental e também para a partilha fraterna.
-          Aponta para o senso crítico próprio das CEBs com relação a Igreja Institucional, que  “contestam radicalmente esta Igreja”. Neste sentido, a EN cita da possibilidade de extremismos que levam as Comunidades à uma manipulação ideológica, inclusive por parte de uma corrente política, até mesmo de caráter partidário, sobretudo quando estas se separam ou quebram a unidade, a comunhão com seus pastores, e com o restante da Igreja.
-          Para que cumpram com sua vocação de “ouvintes do Evangelho” e “destinatárias privilegiadas da evangelização” e “anunciadoras do Evangelho”, urge que não esqueçam o vínculo que há com a Igreja diocesana e  com a escuta da Palavra, que não se enxerguem como “únicas e exclusivas”  comunidades eclesiais, acabando por se fecharem em si mesmas; que evitem ser “hiper-críticas sob o pretexto de autenticidade” (o que não significa perder o senso crítico); não se deixar manipular por quaisquer ideologias dominantes que venham a descaracterizar seu potencial humano. Enfim, que não percam sua eclesialidade tornado-se apenas “comunidades de base”, puramente sociológicas, e por fim não percam seu caráter de comunidades missionárias.

João Paulo II:

Em um de seus discursos, na sua primeira visita ao Brasil em 1980, o Papa João Paulo II fala à Bahia como tendo uma importância história no processo de libertação latino-americano. Exalta a riqueza étnico-cultural e sua integração, como também exorta seu povo para que continue seu trabalho de construção de relações democráticas marcadas por um profundo humanismo e fraternidade.[22]
As CEBs são uma “ferramenta” indispensável neste empreendimento, sabemos de seu empenho e sucesso em diversas áreas da vida social e eclesial, proporcionando maiores laços de amizades entre as pessoas, como também uma notória democratização das estruturas, favorecendo em diversos níveis a participação popular.
João Paulo II reconhece o papel desempenhado pelas comunidades e fala a seus animadores, em Manaus, nesta mesma viagem:

1)      Reforça e renova “aquela confiança” depositada por Paulo VI na Evangelii Nuntiandi;
2)      Vê nas comunidades além de seu potencial formador da consciência cristã, um meio de intervir minunciosamente no processo da vida social, em seus diversos âmbitos;
3)      Ressalta a dimensão da “eclesialidade”  que lhes confere identidade. Atenta para o perigo sempre presente da instrumentalização política, e o conseqüente comprometimento de sua   “liberdade, a eficácia e a própria sobrevivência”.
4)      São comunidades de caridade e amor fraterno. Que aproximam as pessoas e as convida a tecerem relações de amizade e comunhão, manifestando esta dimensão por meio do serviço mútuo.
5)      Os leigos nas CEBs tornam concreta sua missão de sacerdotes e profetas, com dinamismo e eficácia;
6)      Trata da importância dos lideres (os animadores das CEBs), como responsáveis pela formação destas mesmas comunidades,  a colaboração no fortalecimento da fé dos membros,  também da manutenção da comunhão com padres e bispos, e para este trabalho beber nas fontes da Palavra de Deus e da Tradição da Igreja.
7)      Finaliza identificando o líder da comunidade mais como testemunha do que como mestre, rogando que o amor seja a inspiração de sua vida.

Podemos, então perceber neste pronunciamento do Papa, que mesmo em se tratando de uma mensagem para animadores de comunidades de base de uma região do país, podemos estender suas considerações para todas as outras: as CEBs não somente são importantes para a evangelização no Brasil, mas são imprescindíveis dentro de um projeto de participação consciente e transformadora,  seja no interior da própria Igreja, seja no serviço à sociedade como um todo.

AS CEBs NA CONFERÊNCIA DE SANTO DOMINGO

Nesta IV conferência do Episcopado Latino-Americano, os Bispos retomaram, como em Puebla e Medellín, a questão das Comunidades Eclesiais de Base. De certa maneira, fala de modo mais direto a respeito de sua natureza, ou seja, do que se trata ao se falar de uma CEB, mas sempre retomando outros documentos da Igreja. Assim,

-          reassume as CEBs como “célula viva da Paróquia”[23];
-          é animada por leigos e leigas devidamente preparados e formados na vida comunitária e para a vida comunitária e estarão em comunhão com o pároco e bispo;
-          Cita a carta encíclica Redemptoris Missio (A missão do redentor) reconhecendo que são “sinal da vitalidade da Igreja, instrumento de formação e de evangelização, um ponto de partida válido para uma nova sociedade fundada sobre a civilização do amor.”[24]
-          Reconhece que os leigos assumem ministérios diversos nas CEBs, que vem acompanhado do crescimento da consciência de sua missão de evangelizadores, onde os “pobres evangelizam os pobres”.[25]
-          Fala das “diversas formas de comunidades”  que existem no continente latino-americano, chamadas a ser vivas e dinâmicas, cujas vivências têm como característica a vivência da comunhão e da participação ativa e consciente daqueles que fazem parte destas. Fica claro, também, que hã ‘outras comunidades’, que não necessariamente as CEBs, mas que de algum modo se aproximam destas pela sua dinamicidade própria.[26]

Como percebemos, Santo Domingo não nos traz muitas novidades, mas clareia melhor o próprio papel das comunidades no seio da Igreja.


DOCUMENTO 25 DA CNBB (a partir do Material do Sub VI)

CEBs E ECLESIALIDADE
Temos falado bastante no decorrer das reflexões apresentadas, inclusive tomando como nossas, afirmações de documentos da Igreja,  que aquilo a assegurar a identidade das nossas comunidades é a eclesialidade. Mas o que vem a ser isto? O que significa? Quais as implicações possíveis para nós? Não é o mesmo falar em Comunidade Eclesial de Base e Comunidade de Base?
Quando do momento de desabrochamento das Comunidades no Brasil, Leonardo Boff cunhou um termo interessante para falar desta novidade: “eclesiogênese”, significando a re-invenção ou re-começo da Igreja.[27] Este termo nos leva a entender a CEB como Igreja que se faz, que nasce desde um determinado ambiente e com as feições deste ambiente.
Eclesialidade, eclesiogênese tem em comum a palavra Eclesial, cuja raiz originante da palavra é grega e significa “assembléia dos convocados”, termo utilizado para identificar as primeiras comunidades cristãs no Novo Testamento (Ekklesia). Eclesial passou a referir-se unicamente à realidade da Igreja, assim Ekklesia = Igreja. Falar de Comunidade Eclesial de Base é o mesmo, então que falar de uma determinada experiência de Igreja[28], de matiz /feições latino-americanas, particularmente, brasileira!
Diríamos, neste sentido, que o próprio termo “eclesial”  é mais importante do que o próprio termo “comunidade”, pois indica a “natureza” o “tipo” de comunidade e além disso revela a partir de que  ou de onde estas e aquelas pessoas se reuniram e se constituíram comunidade: aparece aqui a dimensão da escuta da Palavra e da resposta por parte das pessoas que assumem o intinerário, o caminho de Jesus, tornando-se seus seguidores e seguidoras, pretendendo viver juntos a partir de sua Proposta de Vida, testemunhada na Bíblia. “É vivência comunitária do evangelho”[29], é essencialmente “comunidade de fé”[30].

Neste sentido, nem toda Comunidade de Base é eclesial, mesmo que encarne e traga em si toda uma prática e preocupação com a vida e valorização do ser humano, com o amor fraterno entendido como auxílio mútuo. Aqui, entendemos e evitamos o risco de entender qualquer comunidade ou grupo com estas mesmas preocupações com uma CEB, como ocorrera em certo encontro de formação para líderes de CEBs, em que se chegou a afirmar: “a associação do bairro é CEBs, o sindicado é CEBs...
José Marins, um teólogo e acompanhante direto das comunidades desde muito tempo afirma:

“Para nós a CEB é a própria Igreja, sacramento universal de salvação, continuando a missão de Cristo profeta, sacerdote e pastor. Portanto, comunidade de fé, culto e amor. Sua missão se explicita a nível universal, diocesano e local (de base).[31]

Podemos afirmar, então, que as CEBs são em si mesmas, Igreja de Cristo. Por natureza, estão ligadas à Igreja Local, presidida pelo Bispo Diocesano que é ajudado por seus presbíteros (padres), mas também religiosos, religiosas, leigos e leigas, que são também elo de ligação entre a Diocese e estas “eclesíolas” (igrejas menores), são a presença do Bispo nestas comunidades. Esta compreensão é importante já que o Concílio Vaticano II vê na presença no Bispo, um elemento importante e indispensável para a constituição de uma porção do Povo de Deus como Igreja. Isto significa que as CEBs não são uma Igreja Paralela, mas estão inseridas na Igreja Maior, neste caso a Diocese. Medellín, mais tarde falará da CEBs enquanto o primeiro e fundamental núcleo eclesial. É considerada, portanto, como elemento básico para o “erguimento” ou “estruturação”  da Igreja. “Elemento capital para a existência de Comunidades Cristãs de base são seus líderes. Estes podem ser sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas ou leigos.”[32]

Puebla falará dos elementos necessários para que uma Comunidade seja considerada como eclesial (Igreja)[33]:

-          Ser uma comunidade de fé explícita em Jesus Cristo;
-          Que se reúne para a escuta contínua e ordinária de sua Palavra, através dos cultos dominicais da Palavra de Deus e das diversas modalidades de estudos bíblicos desenvolvidos pelas comunidades, a exemplo dos círculos bíblicos;
-          Viver a sacramentalidade, isto é, trata-se de uma comunidade que batiza, reconcilia, crisma, unge os enfermos, através do serviço ministerial de seus pastores e animadores;
-          Celebra a Eucaristia, como lugar para onde se encaminha sua vida, no qual se nutre sua fé, comunhão e unidade com os irmãos e com a Igreja como um todo, de onde parte para a missão evangelizadora! Neste ponto reside um dos grandes problemas das comunidades, já que devido ao estilo de organização paroquial que temos e ao número reduzido de ministros ordenados em relação ao número das comunidades, as CEBs estão privadas da Missa, embora celebrem dominicalmente a Palavra, às vezes com comunhão eucarística;
-          São comunidades de missão, não estão voltadas para si mesmas mas desenvolvem um interesse e compromisso pela transformação da sociedade e que parte das formas de solidariedade mais básicas e simples até à inserção na política partidária;
-          São comunidades que estão em comunhão com seus pastores, neste sentido:

“Não é possível entender as CEBs do Brasil sem uma ligação vital, ‘consubstancial’, com a Igreja Institucional e seus pastores. As CEBs são células desta Igreja, não estão de fora. Os bispos as consideram como autênticas células da Igreja, porque constituídas de batizados que se reúnem em nome da fé, unidos aos seus pastores, sob cuja guia e inspiração procuram responder como cristãos aos problemas sociais. Então as CEBs são uma Igreja em movimento e não um movimento específico, particular, dentro da Igreja.[34]

 AS CEBs E A OPÇÃO PELOS POBRES

Desde o início, as Comunidades Eclesiais de Base sugiram no seio dos bairros, cidades, morros, favelas, povoados eminentemente marcados por situações de pobreza, muitas vezes consideradas desumanas, e por assim dizer, de miséria, como tentativa de reverter tal quadro a partir da realização da Palavra de Deus na vida. Desta maneira, a ligação íntima com os pobres é fundante e fundamental nesta maneira de ser Igreja. É fundamental porque as CEBs como Igreja nascida da escuta da Palavra de Deus encontra na própria Bíblia uma “conotação evangélica profunda. (...) a posição privilegiada dos pobres é manifestação da misericórdia de Deus”.[35]  É fundante ou fundacional porque a organização das CEBs se dá a partir dos pobres, que “vivem mais os valores da fraternidade, da entreajuda e do serviço, que são determinantes nessa maneira de ser Igreja.”[36]

As CEBs se propondo, na linha do Concílio Vaticano II, ser a presença e a contiuadora da missão do ressuscitado no mundo, não podem desconhecer ou desconsiderar a situação de seu povo. Com D. Pedro Casaldáliga diríamos que “hoje é ainda Sexta-feira Santa”[37] e as CEBs têm a responsabilidade, por serem “a expressão de amor preferencial da Igreja pelo povo simples”[38] de apresentar a nova realidade da ressurreição com suas conseqüências para o mundo de hoje, para uma efetiva transformação de toda a sociedade, partindo de uma conversão pessoal, passando por uma conversão das estruturas sócio-político-econômicas que dêem lugar ou abram espaço e venham a proporcionar mais vida e dignidade para os pobres, hoje considerados miseráveis e em situação de extrema exclusão.

Neste sentido, falar de pobres hoje equivale a tratar da realidade de exclusão social, dos excluídos[39] que significa a não-participação nos bens da nação, que se expressam, por exemplo, na possibilidade de encontrar emprego e salários dignos, formação suficiente e necessária para a inclusão no mercado de trabalho, que deveria estar ao serviço de cada pessoa, de cada família, de cada comunidade humana e não lhes instrumentalizando, e rotulando como capazes ou não, necessários ou não a um sistema que se constituiu um círculo vicioso que anseia somente por lucro e luxo de uma pequena parcela (e a mais rica e poderosa) da humanidade. Isto caracteriza-se como uma afronta ao Evangelho de Jesus! Nos próprios evangelhos podemos notar como os pobres, por serem pobres, eram também excluídos dos bens (religiosos, econômicos e políticos), aliás, muitas vezes ser pobre era ser amaldiçoado.

Neste contexto, hoje, a comunidade é o lugar do aconchego e acolhida dos que estão à parte, marginalizados pelo sistema. Nas CEBs e com a sua ajuda, os excluídos podem deixar de ser uma massa anônima, passiva e tornar-se sujeito para a  mudança de sua própria situação, sendo reconhecidos primeiramente como pessoas humanas capazes de agir socialmente e também politicamente. Aqui as CEBs são o espaço ou geradoras de espaços para que os excluídos se reconheçam como pessoas. “Quando, por exemplo uma mulher excluída é chamada por seu nome e tem direito à fala e é ouvida por outras pessoas da comunidade, ocorre uma grande revolução na consciência e na vida dela.”[40]

Mas este passo não basta, é preciso a partir daí, na reconquista da pessoalidade, da subjetividade do “ex-excluído”, dar-lhe possibilidade de integrar-se em formas de organização alternativas que inclusive possam, num primeiro momento, garantir-lhes o suficiente para subsistir, para viver ou melhor, sobreviver: cooperativas, associações, bancos de sementes (no caso de comunidades rurais), e outras formas de organização popular podem ajudar decisivamente na reconquista total da dignidade uma vez ameaçada e até perdida pela força opressiva do mercado e seus agentes.
Por fim, “ isto significa trabalhar sem receitas prontas, sem segurança nem caminhos predeterminados; mas com confiança no Espírito que continua a soprar entre nós, em particular entre os excluídos.”[41]

QUEM É O ANIMADOR DA COMUNIDADE

Dentre uma das características que elencamos anteriormente, a de criadora e fortalecedora de ministérios é uma destas tarefas assumidas pelas comunidades. Numa CEB, ao menos teoricamente, se preza muito não somente pela comunhão dos membros, mas pela participação efetiva de todos. Cada pessoa desenvolve um serviço aos demais. Isto é bem claro nas celebrações: há o Ministro da Palavra, há o que distribui a Eucaristia, o que acolhe o pessoal na porta da capela ou do salão comunitário, aqueles e aquelas que cantam...
Uma pergunta muito comum nos encontros, refere-se à identidade do animador da comunidade, quem é este? Qual o seu papel? Talvez isto denuncie uma certa “corrupção” no ato de animar a comunidade, que facilmente pode confundir-se com comandar a comunidade. Não são poucas as comunidades que reclamam do autoritarismo e até clericalismo de certos líderes leigos.[42]

Quem é então o animador da comunidade?

É aquele ou aquela que tem o serviço – ministério – de co-ordenar, isto é, juntamente com os demais membros da comunidade, por em ordem a casa, ajeita-la, deixa-la arrumada. Não é um trabalho que ele ou ela fazem sozinhos e a seu modo, não se trata de um “ordenador/ordenadora”, mas co-ordenador ou co-ordenadora que é escolhido pela comunidade por um tempo determinado.
Atualmente, temos vivido um período de “retrocesso” na estruturação das comunidades (não necessariamente comunidades eclesiais de base), em que alguns padres se acham no direito de “escolher por conta própria” os líderes da comunidade, como pessoas “de sua confiança”, não se importando com o “desejo” da comunidade. Logicamente que o coordenador não deverá ser alguém estranho ao padre, já que acima de tudo, numa comunidade eclesial de base o padre e mesmo o bispo não são alguém de fora, como que assessores ou chefes que mandam à distância, mas são pastores que acompanham a vida cotidiana da comunidade, como a presença constante de Cristo-Cabeça do Corpo que é a Igreja, e conseqüentemente toda CEB.[43] Assim, há de haver mais que consenso, mas comunhão fraterna na escolha do animador ou animadora.
A palavra animar vem do latim que significa “dar vida”, “dar alma”. Este é o trabalho do animador e animadora.Embora, saibamos que a vida da Igreja é o próprio Espírito de Deus (como cantamos: “vós sois a alma da Igreja”). Mas o espírito age nas pessoas. Na comunidade, lembramos de São Paulo na carta aos Coríntios (1Cor 12,4-5), há diversidade de serviços mas o Espírito é o mesmo. Todos trabalham por um bem só: a comunidade.

Poderíamos falar, então, de um perfil de animador ou animadora?

Digamos que o modelo de pastor que temos a seguir é aquele do próprio Jesus, que se preocupa com cada pessoa da comunidade, com cada problema, com a felicidade de cada membro. Mas podemos, para facilitar, apontar alguns elementos importantes na escolha de um animador ou animadora:

Que não seja “líder-autocrático”[44] Este é autoritário, decide tudo por todos. Não distribui papéis. Determina e delimita a ação de cada membro. Não se preocupa em desenvolver o espírito de liderança em outros membros que tenham este “dom” ou “carisma”. Castiga quando as coisas não saem como “ele” queria.

Que não seja paternalista: No primeiro caso, o líder autocrático domina através da “ditadura”, da força. Neste, domina através dos “agrados”, da super-proteção. Ele quer fazer tudo. Também não cria lideranças. Os membros são inseguros, fáceis de manipular.

Que não seja desordenado: Se os outros dois controlam tudo a “rédeas curtas”, este não liga para nada. Deixa tudo acontecer da maneira mais solta possível. É inseguro, tem medo de tomar iniciativas e decisões. Numa comunidade “coordenada” por um líder assim, há conflitos todos os dias.

Que seja democrático: que promova a participação de todos o quanto for possível. Que ajude no desabrochar de novas lideranças que possa inclusive vir a substituí-lo mais à frente. Distribua papéis, serviços – ministérios. Que trabalhe em Equipe, e nunca decida as  coisas sozinho. Que seja atento às necessidades da comunidade e defenda os interesse dela.

Com relação às comunidades, mais explicitamente poderíamos falar que o animador tem o dever de proporcionar a unidade de três princípios básicos de toda comunidade cristã, em especial das CEBs:

  1. Vida em todas as suas dimensões: pessoal, familiar, grupal, profissional, política...
  2. Palavra de Deus

1)      A comunidade eclesial de base não pode querer atingir apenas a um aspecto ou direcionar seu agir para apenas uma dimensão vida humana, pois senão acaba por caracterizar-se mais como um grupo ou movimento específicos. Cuidar da pessoa a nível pessoal, que por sua vez está ou não envolto numa família, que faz parte deste ou daquele grupo de interesse, que trabalha ou está desempregada, que é exerce ou não mandato político... enfim todos estes aspectos devem ser “atingidos” pela ação evangelizadora das CEBs;
2)      A ação das CEBs não é uma ação puramente sócio-política ou servil-comunitaria. É mais que isso, ou melhor, estas atitudes são fruto de uma experiência religiosa intensa. Mais ainda, são desenvolvidas a partir do “acolher” do Projeto de Deus, manifestado plenamente em Jesus. Aqui, nos referimos à dimensão do seguimento de Jesus. Nossa opção é opção pelos pobres, pelos abandonados, pelos excluídos, por uma transformação radical das estruturas injustas, porque a opção de Jesus e sua missão foi esta. Lembrando Casaldáliga[45] citando Gustavo Gutierrez para falar da fé nos afirma: “a fé é (...) nossa identidade cristã.” Continua dizendo que se fé sem obras é morta, fé sem oração também o é. O líder deve chamar atenção da comunidade para que seja orante,... contemplativa na ação!
3)      Onde a comunidade busca inspiração para a sua caminhada? O que a sustenta? Em que poço profundo bebe? Nos referimos aqui a uma realidade muito cara às comunidades eclesiais de base: a Bíblia. Em outros termos, a Palavra de Deus. É ela quem aponta a rota a seguir, os critérios para o serviço. Julgamos a realidade através da Bíblia. Trata-se de colocar os óculos de Deus para enxergar os acontecimentos com profundidade, indo para bem além dos nossos preconceitos ou interesses particulares. A Palavra nos faz conservar viva a “memória perigosa de Jesus”, dos profetas que o precederam e dos mártires que o seguiram!

Logicamente que não teremos ninguém certinho, sem possibilidade de errar, mas trata-se de buscarmos alguém que acima de tudo “procure” trabalhar pela comunidade com senso de justiça e compaixão. Isto é muito importante para a comunidade dar certo, e se possa deixar transparecer, como falamos no primeiro encontro (?) a Luz de Jesus enquanto Pastor e Servo.

Nas CEBs, as experiências de liderança variam bastante. Há casos em que o animador é o próprio Ministro da Palavra e da Eucaristia, que preside a celebração dominical. Há outros casos em que estes ministérios são desempenhados por outras pessoas. O importante é deixar transparecer a participação de todos, a partir dos dons de cada um (1Cor 12,4-6) e também uma comunhão viva, através da qual se perceba que todos têm um objetivo comum: “testemunhar e anunciar o Reino de Deus”.


CEBs; COMUNIDADE OU MOVIMENTO?

Em diversos ambientes costumamos flagrar uma ou outra pessoa que designam as Comunidades Eclesiais de Base como “o movimento das CEBs”. Em certa medida se trata de movimento, pois as comunidades não estão estáticas, paradas, mas em contínuo processo de trabalho pelo Reino. Mas, o termo movimento não  somente não é adequado, mas sobretudo não consegue exprimir a realidade das CEBs.

Pe. Gregório Iriarte[46] nos ajuda na reflexão do que não é uma comunidade eclesial de base nos dizendo o seguinte:

“As CEBs são chamadas a se organizar para viver todos os aspectos da Igreja. Não se trata de mais um grupo entre associações de cristãos.(...) Os diferentes movimentos e associações piedosas vivem especialmente algumas dimensões eclesiais. As CEBs sendo Igreja celular, reúne em princípio e em gestos todos esses aspectos, e de nenhum modo é uma alternativa frente a essas associações. Ela as respeita, e as promove, porém, é consciente de sua diferença essencial.”

Numa comunidade eclesial de base, podemos viver, por exemplo, todos os momentos fortes da vida cristã, que estão inclusive a seu serviço, como por exemplo os Sacramentos. Numa comunidade eclesial de base se batiza, se celebra a Eucaristia, a Reconciliação, se faz Casamento, se Ordenam padres, se crisma as pessoas, ungimos os doentes; trata-se de uma comunidade sacramental. Significa dizer que em outros “espaços de Igreja” não se realizem os sacramentos, como por exemplo a eucaristia? Evidentemente que não, nós mesmos em nossos encontros pastorais realizamos a Eucaristia. Mas isto acontece todo domingo ou cotidianamente. Eucaristia é “própria da Comunidade”. Conlcuímos que ali, naquela pequena parcela do povo de Deus, se vive em totalidade a vida cristã, isto é, a “vida de Jesus” que é o núcleo da Vida da Igreja, desde a Paróquia, como uma organização maior em relação às  Comunidades Eclesiais de Base, passando pela Diocese até à Igreja Universal.

Num movimento, pastoral ou associação religiosa, um determinado aspecto é enfatizado, ou um determinado “tipo de público” é mais atingido: assim a Pastoral da Juventude trabalha com a Juventude, a Cáritas com a assistência social, a renovação carismática enfatiza a ação do Espírito de Deus que produz carismas (dons), e daí por diante. A Comunidade Eclesial de base  não deve apenas cuidar de um grupo homogêneo, mas heterogêneo. Deve abarcar todas as dimensões da vida das pessoas em todos os níveis que elas se encontrem:, crianças e idosos, jovens e adultos, homens e mulheres, pobres e ricos...

Poderíamos, ainda insistir, quer dizer que somente sou “verdadeiramente” Igreja se eu for de uma comunidade eclesial de base? Responderíamos: a questão vai por aí mas a resposta não é exatamente esta.
Afirmamos que a questão passa por aí porque a Igreja é essencialmente “comunidade de fé” Clodovis Boff nos fala muito bem deste fato afirmando que a comunidade é o lugar de vivência e experiência da comunhão e da fraternidade. Aqui chamamos atenção para um aspecto importante, vital para a Igreja e portanto, para as CEBs: fundamentalmente a Igreja nasce como o lugar necessário para a continuação do testemunho de todo o projeto de vida que Jesus tinha vivido e anunciado durante sua vida na Palestina e continua a faze-lo hoje através das Comunidades.  Sabemos que no tempo da Igreja (Atos dos Apóstolos), os primeiros cristãos se encontravam nas casas (Igreja Doméstica), “onde era partilhada a Palavra de Deus, a Eucaristia, onde todos se conheciam, criando laços afetivos e de ajuda recíproca.”[47] A comunidade é o ambiente onde se mantém o candeeiro da Palavra de Deus num lugar de destaque para que ilumine a todos e todas. O Concílio Vaticano II nos diz que a Igreja  é edifício, construção de Deus na qual mora sua família (que somos nós)[48], que é “comunidade espiritual”[49] que chora com aqueles que choram e se alegra com aqueles que se alegram, segundo Rm 12,15.
Assim, o caráter comunitário da Igreja garante uma “identidade”, “inter-pessoalidade”, “intimidade”. Por que estamos falando disso? Ora, assistimos nos últimos tempos ao crescimento/desenvolvimento de uma Igreja que preza mais  a “coletividade” do que a “comunitariedade”, a Igreja “de massa”, da “impessoalidade”, do “quase anonimato”. Acreditamos que não nos faltem casos para exemplificar estes fatos.
A Igreja de Jesus é uma “comunidade de vida”. As pastorais, movimentos, associais estão a serviço desta comunidade de vida, partem daí e para este núcleo devem conduzir. Não seria esta a tarefa das testemunhas de Jesus numa sociedade que promove egoísmo, afastamento e isolamento entre as pessoas, competitividade em tudo, ausência de solidariedade, valorização do “possuir” em vez da valorização do “ser” humano.
A grande Igreja que conhecemos é formada por Comunidades menores, que não necessariamente são CEBs. A Igreja é então uma Comunidade de Comunidades. Mas na sua estrutura, no seu modo de organização não existem apenas Comunidades, há ainda:

“- serviços pastorais: da catequese, da família, da terra, operária, estudantil, dos Direitos Humanos...
- os movimentos de Igreja: Congregados, “Carismáticos”, Jovens, Famílias...
- as estruturas de articulação: secretarias, coordenações, conselhos, assembléias várias...
- os diferentes níveis de estruturação: paróquia, diocese e Igreja Universal, sem ainda falar dos níveis intermediários...
- o Catolicismo popular: com a variedade de suas expressões: devoções, festas dos santos, etc.”[50]

As CEBs, de cara, resgatam esta realidade fundamental da Igreja: ser Comunidade. Internamente e também externamente criam suas estruturas de articulação e serviço, que alimentam a sua existência enquanto núcleo eclesial básico, elementar da vivência/experiência da fé.
Muitas vezes os movimentos, grupos de reflexão, o catolicismo popular, as pastorais, antecedem a comunidade. Sabemos de comunidades que começaram a se estruturar a partir de um Movimento de Mulheres, de um núcleo de círculo bíblico, de novenas ou reza do terço, de grupos de oração, enfim, somente depois tomara corpo, e constituíram-se Comunidade de Vida na Fé, a Igreja propriamente dita.

Estas reflexões procuram evitar:

-          confundir CEBs com quaisquer movimentos, pastorais ou círculos bíblicos, como aconteceu em certa assembléia diocesana, na qual se apresentava o resultado de uma pesquisa que classificava as CEBs como “outras organizações” por não conseguirem encaixa-las em nenhum outro canto; e que confundindo pensemos estar já estruturados enquanto comunidades, quando ainda não passamos de grupo de reflexão ou círculo bíblico, e por esta mentalidade, estacionar e não dar os passos seguintes para a verdadeira constituição da comunidade.

A ESPIRITUALIDADE DAS CEBs

Há uns seis anos um dos assessores das Comunidades convidado a falar num encontro sub-regional sobre espiritualidade afirmava surpreso: “nunca haviam me convidado para falar, num encontro de CEBs, sobre a espiritualidade das Comunidade, sempre sobre educação popular, conscientização política, leitura popular da Bíblia... acho que estamos noutra época,  outros tempos, os quais urgem algumas mudanças e uma delas é com relação à importância da espiritualidade.” Outra vez, por ocasião da preparação do 10º Intereclesial, uma líder das comunidades, que tem bastante história, ao ouvir um outro líder em discussão falando da “espiritualidade esquecida” nas Comunidades, bradou: “epa! Nós sempre tivemos espiritualidade...” Ele porém, retrucou: “Sempre ‘tivemos’ espiritualidade, mas os difíceis momentos de perseguição ou ativismo políticos não nos proporcionavam ‘refletir’ sobre ela.”

Enfim, hoje, necessitamos falar de espiritualidade não somente porque virou moda e todo mudo fala, mas porque os tempos realmente mudaram e estamos redescobrindo o valor do afetivo, do subjetivo, do sagrado. E para não cairmos nos extremos do emotivismo descuidado do compromisso, do subjetivismo vazio e do sacralismo que tem aversão ao profano e mundano, necessitamos entender melhor esta realidade imprescindível para o compromisso cristão atual. Não é à toa que o tema do próximo Intereclesial será CEBs: Espiritualidade Libertadora, e o lema: seguir Jesus no compromisso com os excluídos.

Se a fé é aquilo que dá identidade à comunidade de base, caracterizando-a como eclesial, B isto é como Igreja, a espiritualidade será o elemento fundamental que orientará o modo de realizar esta fé. Assim o é para todas as Pastorais e Movimentos da Igreja, para as ordens e congregações religiosas e assim também é para as CEBs.

Enquanto as Pastorais, movimentos, ordens e congregações religiosas têm uma espiritualidade específica (juventude, carismática, franciscanos...) as CEBs têm uma espiritualidade genérica, isto é, todas as espiritualidades anteriormente citadas são espiritualidades cristãs, mas especificam o modo de realizar o seguimento de Jesus a partir de alguma experiência do testemunho cristão, como São Francisco, Santa Clara e outros Santos, ou de alguma das pessoas da Trindade, como o Espírito Santo ou os carismas que ele suscita e por aí vai (geralmente vai muito a partir do fundador do movimento ou organizador(es) da pastoral). As CEBs não recorrem a nenhum desses referenciais enquanto originantes de sua espiritualidade. Experimentam e desenvolvem uma espiritualidade do próprio seguimento de Jesus, isto é justo, se continuando a linha de pensamento do tópico de estudo anterior, a CEB é Comunidade Eclesial, portanto Igreja e seu fundador é o próprio Jesus. Assim, sua espiritualidade baseia-se na primariamente na sua pessoa, nas suas atitudes, na sua oração... Claro que secundariamente se fala dos Santos, tão caros à religiosidade popular que as CEBs tanto prezam, e também à própria experiência de martírio de vários homens e mulheres de nossa América Latina, mas em todos os casos, o referencial primeiro é o próprio Jesus, ou melhor, seu seguimento e por isso seus passos, seu caminho, seu intinerário...

Desta forma, as CEBs conseguem realizar o seu papel enquanto realizadoras da comunhão, pois direcionam as próprias pastorais e movimentos que a constituem à tarefa da espiritualidade que é caracterizar, alimentar e conduzir ao seguimento. A espiritualidade das CEBs não anulam as demais espiritualidades, mas quando ligadas a ela,  as “generaliza”, como se dissesse: “todas na pluralidade de formas e jeitos, contribuem para a única espiritualidade cristã: a espiritualidade do próprio Jesus , esse é o trabalho da espiritualidade do seguimento, própria das CEBs. Confrontar a nossa fé com a fé de Jesus, pois uma coisa é “ter fé em Jesus”  e outra muito distinta é “ter a fé de Jesus”.

Costumou-se por muito tempo, desde o surgimento das CEBs, caracterizar sua espiritualidade como aquela que “une” fé “e” vida.  É interessante notarmos como este quase “slongan” das Comunidades Eclesiais de Base caracterizaram um momento em que estes dois aspectos ou faces da mesma moeda estavam dissociados. As CEBs reaproximam estes dois pólos, “juntando” um no outro. Hoje, depois de termos também amadurecido, percebemos que não se trata mais de falar em fé “e” vida, pois, para as primeiras comunidades cristãs, não havia um muro de separação entre estes dois elementos. Na verdade, não são duas realidades, fé e vida, que a CEBs unem. Mas, trata-se de uma só realidade, um todo, como o é o nosso corpo-espírito: trata-se de fé na vida e vida na fé (vida-fé/fé-vida). Para um membro da comunidade eclesial de base não há como se falar da fé sem ela estar impregnada de acontecimentos, fatos do cotidiano. Do mesmo modo não dá para falar da vida de um modo vazio, sem estar carregada de esperança, de ternura, de solidariedade, de Deus. Se não fosse assim, não haveria diferença entre uma associação de famílias e uma comunidade eclesial de base.

A Espiritualidade do Seguimento faz com que as Comunidades entendam que seu agir é reflexo do agir do Ressuscitado. E mais, elas  têm a certeza de que Deus age de maneira transparente através delas, de suas opções, de suas atitudes, de seus gestos mais simples, isso porque trazem consigo a consciência da ação do Espírito de Deus na vida da comunidade, fazendo-a perseverar nas estradas de Jesus - lembramo-nos do primeiro Intereclesial em 1975: Uma Igreja que nasce do Povo pelo Espírito de Deus.

AS CEBs  E A PARTICIPAÇÃO POPULAR

Se há um elemento que melhor caracteriza as CEBs é a dimensão da participação popular. É uma experiência quase indizível participar seja de um círculo bíblico, seja de uma celebração da Palavra ou de outra reunião qualquer numa CEB, quando se percebe que pessoas simples, muitas vezes sem nenhuma formação escolar conseguem expressar suas convicções, que comumente chamam de “opiniões”, mas que não só retratam a situação em que vivem, mas traduzem uma experiência profunda de Deus. Trata-se da “hora da partilha” ou “da reflexão”, na qual cada um é convidado a tomar a palavra e dar a sua contribuição. Numa sociedade em que só tem a palavra “os estudados”, “os intelectualizados”, parar a ouvir alguém sem estes pré-requisitos configura-se como um ato profético.

Neste aspecto, aparentemente sem importância, repousa a grande força transformadora das Comunidades. Cada participante, ajudado por outros e ajudando aos demais, vai desenvolvendo uma consciência de sua importância na sociedade e na Igreja. Vão descobrindo que não são aqueles que devem ficar eternamente esperando por mudanças que vêm de fora, ao contrário, passam a crer que cada um tem um papel a cumprir, tem uma meta (que torna-se comum) a alcançar, tem uma contribuição a dar para o crescimento da comunidade.

Deste modo, numa Comunidade Eclesial de Base é comum haverem reuniões freqüentes entre seus participantes para decidirem os rumos da comunidade. Não se trata apenas de uma reunião de líderes, mas de um encontro de toda a comunidade a fim de deliberar a respeito de alguma questão importante. Imaginemos uma Paróquia destas mais modernas, na qual suas comunidades têm voz e vez! Embora a “moda” do conselho paroquial e até comunitário pareça ter pegado, sabemos que muitos deles quando não são apenas consultivos, seus integrantes estão todos de um lado só, e quem acaba mandando é apenas um só! É uma conseqüência típica que também já vem atingindo as CEBs, denominada paroquialização, isto é, um processo no qual se repete, a nível de comunidade, a mesma estrutura (muitas vezes opressora e caduca) da paróquia tradicional.

Não se descarta aqui, de maneira alguma, a existência de um Conselho Comunitário e até Paroquial seja de Pastoral, de Economia, de Administração; de jeito algum. Mas falamos mesmo é de participação popular que dá sentido à existência destes ou outros conselhos. São graves os danos  que temos quando esses conselhos passam apenas a representar a si mesmos, suas intuições, seus desejos, suas querências. É nestes encontros com o povo que os representantes dos conselhos bebem para poder “reivindicar” ou “apresentar” propostas para o crescimento seja da comunidade, da paróquia ou de qualquer outra instituição à qual esteja ligados.

Esta participação popular não se refere apenas à organização interna das Comunidades, mas também diz respeito ao trabalho externo, ou melhor, que vai  em direção aos outros aspectos da vida, que não apenas o eclesial. Onde há CEBs organizadas, seus membros promovem manifestações populares, fundam associações de Bairro, cooperativas, sindicatos, participam de partidos políticos, atuam nas políticas públicas, enfim, procuram meios de se integrarem no processo histórico no qual estão inseridos, mas muitas vezes são excluídos da participação, “organizações populares que procuram solucionar coletivamente seus problemas comuns, reivindicar seus direitos e construir uma sociedade distinta.”[51]

Na verdade, é complicado falarmos hoje de uma tendência natural de as pessoas se agruparem para viverem juntos compartilhando de todos os aspectos da vida, dos mais tristes aos mais felizes, mesmo que seja à nível de Igreja. Percebemos como vamos caminhando a cada dia para uma Igreja de anônimos. Assim, as CEBs, hoje, aparecem neste cenário social-eclesial como uma tentativa de reinventar a comunidade[52], criando gosto por essa necessária e vital comum-unidade, na qual as pessoas não apenas se conheçam, mas sobretudo se escutem.

 CEBs E CIDADANIA

As CEBs, no Brasil, são exemplares educadoras na cidadania. Tendo nascido, como vimos, também da necessidade de resolver os problemas mais urgentes do local no qual estão “assentadas” ou onde surgem (o bairro, a favela, o condomínio, o povoado, a viela, o acampamento, etc.), as comunidades, através de reuniões quinzenais ou mensais, costumam convocar grupos de interesse específico (trabalhadores rurais, operários, lavadeiras, etc.) ou grupos mais diversificados a se encontrar para olhar o mundo no qual estão inseridos e descobrir seus problemas, entender suas causas e buscar planejar um modo de transformar para melhorar a situação. Seríamos capazes, aqui, de enumerar diversas iniciativas como estas, que até hoje estão espalhadas por nossas comunidades...
Todas estas reuniões são, nada menos, que uma tentativa de formar consciências cidadãs, para que as pessoas, sejam elas participantes das comunidades ou não, possam interferir no processo histórico do lugar onde vivem. Isto é, tenham a sensibilidade e a capacidade, inclusive, de criar associações, mobilizar manifestações, promover e assistir debates de cunho político, ir às Câmaras Legislativas, práticas como estas, às quais denominamos de políticas públicas e que num primeiro momento não estão ainda, necessariamente ligadas à filiação partidária, mas que são dever de todo e qualquer cidadão. As CEBs propõem que cada um e cada uma se reconheça “membro e colaborador”  para o “bem comum”  da cidade ou do lugar onde reside, isto é tornar-se cidadão e conseqüentemente exercer a cidadania.

A cidadania é um modo eficaz de intervir na Vida Social. As CEBs preocupam-se com o “bem-estar” daqueles com os quais lida e por isso se preocupa com o resgate da cidadania.
Reconhecendo as CEBs como educadoras, queremos apontar para um novo jeito de produzir conhecimento, que não é idêntico aquele das escolas formais, com currículo, matrícula e tudo mais, mas uma educação dita popular, que trabalha no nível da troca de saber dos participantes, partindo da troca de experiências; isto sem descartar, é claro, todo um empenho para fornecer, através de cursos mais organizados e sistematizados, uma formação mais específica, mais profunda, com a ajuda de assessores e assessoras, entidades, movimentos e outras instituições com as quais as Comunidades mantenham contato. Mas estes últimos são mais esporádicos, extra-ordinários. A educação popular mesma acontece ordinariamente na comunidade, em espaços de tempo que variam de realidade para realidade (semanal, quinzenal, mensal).

As Comunidades Eclesiais de Base sabem das dificuldades que existem para o exercício consciente da cidadania, já que grande parcela das pessoas desconhecem seus direitos frente à sociedade e suas instituições públicas. A passividade no período que não é eleitoral e a agitação politiqueira e o aproveitamento em benefício próprio por parte dos diversos candidatos a cargos públicos nos instantes de eleição são marcas registradas em nossos municípios. Também a corrupção crescente dos governantes, seja a nível mais local (prefeitos e vereadores) seja a nível estadual ou nacional, é uma afronta à consciência política que as CEBs vêem construindo e lutando desde seu surgimento. Enxergam ai, acima de tudo, uma negação do Projeto de Deus que deseja a Vida em abundância para todos (Jô 10,10), já que a ausência de cidadania significa ausência  de escolas dignas, de saúde de digna, de segurança digna... de vida digna e com isto de uma humanização digna! Negar a cidadania, equivale aqui, negar-se como ser humano. E isto não bate com o Sonho de Jesus e com tudo aquilo que ele disse e fez.
Neste sentido, as CEBs despertam para o poder que a organização tem. Organização de movimentos e grupos alternativos, que resolvem ou se propõem a resolver a curto prazo os problemas mais aberrantes e afligidores das pessoas; organização que leva os líderes das diversas comunidades a também eles estarem inseridos no mundo da política partidária, a fim de defender o que é de direito de seu povo, disputando um cargo público. Todo este trabalho, real em diversas partes de nosso estado, de nosso país, é fruto (também e talvez sobretudo) do empenho das CEBs em educar para a cidadania.

O COMPROMISSO POLÍTICO NAS CEBs

O comprometimento político-social por muito tempo, e talvez até hoje, marque a identidade das comunidades. É também “marca registrada” das comunidades a preocupação com os rumos da sociedade como um todo. Isto é tão forte, que certa vez uma jovem participante da Renovação Carismática, propunha um “acordo feliz” entre as CEBs e a RCC: que cada uma cuidasse de um aspecto da vida eclesial: as CEBs da questão social e a RCC da espiritualidade.
Esta mentalidade que divide ou polariza a ação da Igreja em dois extremos, é rompida pelas Comunidades Eclesiais de Base. O compromisso com as lutas populares, com os partidos políticos são os frutos da experiência cristã, profundamente espiritual dos membros de uma CEB. Sua entrega ao Reino é tamanha, que não vêem fronteiras para a sua ação, e por isso se engajam. Eles não concebem uma vida cristã cujo testemunho não atinja a dimensão da transformação social. A necessidade de conversão que sentem interpelados pelo Evangelho, pela Palavra de Deus, se estende até os rincões das diversas organizações que estão para além das paredes do Salão Comunitário da Igreja. Contudo, são presença eclesial nestes movimentos e instituições. Ali, re-presentam a comunidade, que por sua vez evoca o próprio Jesus agindo agora e ali, naquele instante histórico. É um campo de trabalho principalmente desenvolvido pelos leigos e leigas, e que o Concílio Vaticano II interpela pela continuidade:

“Aos leigos compete por vocação própria, buscar o Reino de Deus, ocupando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus. (...) Aí os chama Deus a contribuírem, do interior,à maneira de fermento, para a santificação do mundo através de sua própria missão.”[53]


Falar em participação – e principalmente participação política – significa falar também de poder, mexer com ele, dispor dele para algum fim.
A proposta e a tentativa das CEBs é fazer valer o inverso do tão conhecido refrão popular“o de cima sobe e o de baixo desce”. Dispor de poder – e este também político partidário – primariamente, é a expressão concreta do desejo de que o pequeno seja elevado à condição de líder, para servir e fazer descer “quem está por cima da carne seca”, sobretudo quando a “carne seca” é o pobre. Esta proposta de democratização do poder, que começa dentro da própria comunidade eclesial e quer se estender até os partidos políticos e por fim às prefeituras e organizações do gênero é uma das metas  das CEBs, como maneira de “construir” o Reino de Deus desde aqui.

COMO SE FAZ UMA COMUNIDADE ECLESIAL DE BASE[54]

Este é o título de um livrinho de um dos pioneiros das CEBs, seja no seu surgimento e desenvolvimento, seja no processo de constituição dos Intereclesiais, D. Luís Fernandes. Em certo momento de seu livreto fala do “como não se faz” e cita uma série de possiblidades: capelas que o pároco rotula, comunidades às quais o padre cria todos os ministérios e equipes de serviço nomeando a todos e todas que seriam responsáveis, através de uma divisão geográfica proporcional (como se a paróquia ou a área pastoral fosse um bolo a ser repartido em partes iguais), a identificação de um grupo específico, pastoral ou movimento com a comunidade e outros exemplos mais. O que aparece de comum em todos estas tentativas de se identificar a CEB com um ou outra realidade é que sempre parte da imposição de alguém ou de um grupo.
A primeira “lição”, aqui se aprende: uma Comunidade não surge pelo desejo ou paixão de uma ou outra pessoa ou grupo, mas de uma necessidade de encontrar-se, de viver junto, de com-viver, com-partilhar, ser com-panheiros! Neste sentido uma CEB não se faz! Ela acontece, surge, brota a partir de um solo bem preparado, bem adubado!
O adubo  para que surja uma comunidade eclesial de base é o desenvolvimento primário e fundamental desta vontade de viver juntos todas as dimensões da vida na fé e da fé na vida.

Como se faz ou como se dá este processo?

  1. Num primeiro momento, criar grupos de interesse, de reflexão, que procurem tratar de assuntos comuns à realidade social-eclesial na qual estão inseridos, naquela área geográfica, inclusive, em que vivem, seja o bairro, seja o povoado, seja o condomínio, seja o conjunto habitacional em volta da fábrica... Aqui ainda não se tem a pretensão necessária de se constituir uma CEB. Mas para uma CEB sólida e real este é o primeiro passo. Aproveitar também o que já existe em termos de reunião deste “lugar”. O que tem de estar claro é a dimensão eclesial do grupo: se trata de um “grupo de cristãos” que se encontram. Isto é imprescindível para os passos seguintes. Não quer dizer que nestes grupos estejam apenas os cristãos e católicos, mas a identidade do grupo tem de passar por aí. A reza do terço, o novenário nas casas e outras devoções que aglomeram pessoas que vivem próximas, que são vizinhas são também espaços propícios para desenvolver este primeiro passo.
  2. Constituído o grupo, este deve ir amadurecendo na reflexão de sua vocação, de sua “funcionalidade” ou de “sua importância” para aquele “lugar” e para sua “situação”. Aqui está em questão o sucesso do grupo, de seu objetivo inicial, do “para que surgiu”. Por isso, não pode ser, ao menos de início a “pretensão de ser ou constituir-se comunidade”, primeiramente deve dar certo como grupo de interesse.[55]
  3. Mesmo não se tendo a “pretensão de que ‘aquele’grupo irá tornar-se uma comunidade”, há um pretexto, que é fomentar e fermentar o interesse pela vida comunitária, de despertar o senso de sua importância para uma vida autenticamente cristã. Neste sentido, a Palavra de Deus deve ser presença constante, como uma lente que possibilite enxergar o mundo como olhos novos. Trata-se de “ler a vida” a partir da Palavra. Descobrir quais as forças que atuam para o bem ou para o mal.
  4. Em conseqüência desta “leitura da vida” a partir da palavra e da tomada de consciência das forças que a movem, o passo seguinte é comprometer-se com sua transformação e constituição, isto é, envolver-se no processo histórico, atuar, numa linguagem mais simples,      “ter um compromisso” de conversão. Nesta fase “vai aparecendo uma verdadeira união na ação, não apenas uma simples amizade baseada no gosta de estar juntos. Isto é importante mas ainda é pouco.”
  5. Pouco a pouco o grupo tende a compartilhar de mais e mais momentos da vida, desde a reza do terço na casa de alguém porque está doente ou por alguma outra necessidade até a participação num movimento popular de luta pelo saneamento básico do local onde moram ou da vizinhança. Aqui começa a esboçar-se a comunhão de vida, a fraternidade total, própria da comunidade.
  6. Mas como falamos, somente este grupo não se constitui uma CEB. O grupo é uma instância muito pequena e ainda fechada, por natureza. Deste modo, em determinado instante surgirão outros grupos de interesse, que sentirão a necessidade de um “lugar comum” para encontrar-se e interagirem. Sentem-se membros que precisam de um corpo que lhes dê integridade e que possam constituir-se mais fortes para testemunharem e trabalharem pelos interesses plurais que os motivaram reunir-se. Neste momento estamos à beira do surgimento de uma comunidade madura e consciente de si mesma, de sua vocação, de sua necessidade e urgência para o testemunho do evangelho e conseqüente transformação social, política, religiosa, etc.
  7. Por fim, estes grupos de interesse sentirão a necessidade de ordinariamente se encontrarem para celebrar juntos sua fé-vida, para traçar linhas de ação, para compartilharem dos momentos difíceis uns dos outros. Surge a Comunidade Eclesial de Base, como núcleo de vivência primordial  da vida de fé!

São importantes algumas considerações a respeito destes passos:

a)      Não se trata de um método único para o surgimento de uma CEB, há outras maneiras;
b)      O que precisa estar clara é a vocação dos grupos para a vida de comunidade;
c)      O agente externo (que não está todo tempo com o pessoal do “lugar”) é importante para a constituição dos grupos. Mas estes devem construir-se autônomos. A comunidade não deve depender de alguém de fora nem deve surgir somente do idealismo de outrem, mas de seus próprios “participantes”;
d)     Os grupos de interesse tornam-se grupos permanentes, que dão vida à comunidade e vice-versa;
e)      A Comunidade Eclesial de Base é Igreja, “é Igreja local em ponto pequeno”[56] , deve haver comunhão com a Igreja Diocesana, com a Igreja Paroquial (se for este o tipo de organização da diocese). Percebemos que há autonomia no processo de constituição e depois também de continuação da vida comunitária, mas se as CEBs querem promover a participação consciente na vida eclesial e comunitária, a Comunhão é também uma de suas metas essenciais.
f)       Por se tratar de uma Comunidade “Eclesial”, deve dispor de todos os elementos que alimentem esta dimensão que dá identidade a ela: a catequese, a liturgia, a ser missionárias, a vida sacramental, o compromisso político-social, tudo isto a partir do próprio Jesus, como já estudamos anteriormente.

RELAÇÃO: CEBs E PARÓQUIA

Esta questão necessita ser bem colocada, principalmente quando no momento atual, embora a Paróquia seja considerada por muitos como uma “instituição falida”, que não mais atende às necessidades pastorais da evangelização do mundo moderno, ainda se constitua como senão a única, a mais comum das maneiras de se estruturar e organizar o trabalho evangelizador de uma determinada região ou área geográfica, na qual vive uma parcela do Povo de Deus.
Acreditamos que se deva considerar o fato de re-descobrir o “elo perdido”: a essência da vida cristã: a comunitariedade. A Paróquia é, primeiramente, uma Comunidade (SC 42). Problema: tornou-se uma “grande instituição”, que na maioria das vezes não favorece o desenvolvimento desta experiência nuclear no seguimento de Jesus. A Paróquia parece ter voltado (se alguma vez tenha deixado de ser) mais que o “centro” dos trabalhos pastorais, mas a gerenciadora e centralizadora de todos os serviços. A antiga dispensadora de sacramentos e serviços eclesiásticos afins, mas agora em versão moderna, globalizada e o que é pior, neoliberalizada... Pior ainda, quando se chega a identificar a Paróquia com a Matriz, excluindo possíveis comunidades ou capelas, desconsiderando-os.
Quando as comunidades eclesiais de base surgiram, portavam uma nova bandeira: a descentralização dos serviços da Matriz Paroquial, chefiada pelo pároco, cujo poder de decisão e administração seria compartilhado. O Eixo da vida cristã não seria mais a Matriz Paroquial mas as diversas comunidades que juntas constituiriam a Nova Paróquia. Aqui se fala de uma “rede de comunidades”, cuja unidade era assegurada pela Instituição Paroquial revista, renovada, ou melhor, transformada. Seria uma “comunidade de comunidades”.
“Não se trata, portanto, de colocar o problema de forma alternativa: ou CEBs ou paróquia. Trata-se acima de tudo de conjugar os modelos.”[57]
Na prática a coisa é bem mais complicada, já que atualmente, com o inchaço de pastorais e movimentos (enfatizando aqui os movimentos), as CEBs passaram a figurar não mais como eclesíolas (menor núcleo da Igreja) mas comparadas ou igualadas aos movimentos e pastorais estando a serviço da Instituição Paroquial. Deixou de ser compreendida como “lugar” e passou a compreender-se ou ser compreendida como “meio”. Esta confusão de conceitos, muitas vezes cria graves entraves entre as lideranças das comunidades e os párocos ou administradores paroquiais. Por um lado não se abre mão da autonomia da experiência comunitária como lugar propício à evangelização e por outro procura se assegurar o domínio da instituição: é velha disputa entre carisma e poder. Quando o carisma guia o poder, o resultado é serviço. Mas quando o poder guia o carisma, o resultado, muitas vezes, é subordinação. Isto quer dizer que, assim como temos a Missa coordenada ou preparada a cada domingo por uma pastoral ou movimento, temos também entre um destes domingos a Missa das CEBs. Isto não nos parece um tanto estranho? Este problema é mais grave ainda nas cidades, cujas comunidades da periferia paroquial tem que se deslocar dominicalmente para a matriz, não celebrando onde vivem. Já nas paróquias ainda de predominância rural o problema é menor, embora a comunidade “do centro” dificilmente se constitua uma CEB. Deste modo, é comum nas cidades maiores, se buscar a paróquia que convenha para “participar”. O problema aqui é justamente este: o participar é equívoco. Na verdade se deveria falar, na maioria das vezes de “freqüentar”.

Mas o modelo de organização das CEBs é diverso:

“é uma forma de organização coincidente com o espaço humano delimitado por relações de vizinhança (povoado, patrimônio ou bairro rural, vilarejo, pequena cidade ou vila, conjunto residencial, favela ou bairro), abrigando em seu interior diferentes grupos nos quais se congregam voluntariamente as pessoas interessadas: Círculos Bíblicos ou grupos de reflexão, equipes de catequese,  preparação dos sacramentos, liturgia e serviços internos, grupos de jovens, de mães, de trabalhadores...”[58]

Aqui, então, não se fala de “ausência” da estrutura  mas de re-vigoramento e transformação desta. A originalidade da CEB está em proporcionar a inter-relação fraterna e solidária entre as pessoas: que participam da comunidade e também daquelas que moram por ali, mas não participam ativamente ou simplesmente não fazem parte.
Estamos situando a problemática em duas outras questões:


  1. “de CEBs”: Neste caso, a Paróquia figura como um grande colar de miçangas, e cada miçanga é uma comunidade. A beleza está tanto na interação entre cada miçanga e sua integração formando o colar, como também na importância desempenhada por cada uma, que chegando a faltar cria um “oco”, um “buraco” a ser preenchido. Quem dá o perfil à paróquia são estas comunidades. Alargando nosso campo de visão, podemos falar de uma Diocese de CEBs, onde sem excluir a existência de outras organizações (até mesmo comunitárias) o espírito e a estrutura básica é a comunidade Eclesial de Base – neste caso pode-se ou não haver a paróquia (como é o caso da Prelazia de São Felix do Araguaia).
  2. “com CEBs”: Aqui nós temos as Comunidades Eclesiais de Base como “uma” das formas básicas de ser Igreja, é importante atentar para o fato de que há comunidades constituídas em torno de uma capela, por exemplo, que não são uma CEB. Alargando também o campo de visão, falando em Diocese, podemos ter esta experiência eclesial, e é muito difícil não haver ao menos alguma, por menor que seja, mas menor estrutura ou organização eclesial da Igreja local não é a CEB, já que há outros modelos de comunidade, inclusive derivados de movimentos eclesiais, com uma espiritualidade e modo de ser diversa, diferente.
Em ambos os casos entra em cena dois aspectos importantes da eclesialidade;
a)      autonomia: cada comunidade, seus participantes, são responsáveis diretos pela sustentação da vida de fé e levam os trabalhos de evangelização, sejam internos ou externos, à frente. Os leigos são tão comprometidos e importantes quanto o padre. Os ministérios são compartilhados.
b)      Articulação: as comunidades não estão isoladas ou centradas em si mesmo, mas se integram e interagem num conjunto maior, que não simplesmente as engloba, mas que elas constituem por sua força de comunhão. São essencialmente e efetivamente missionárias. Têm uma articulação própria (equipes que representam comunidades de determinada área, equipes paroquiais, zonais, vicariais, diocesanas, estaduais...), embora cada CEB esteja ligada diretamente à Igreja Local (diocese) a que pertence.

A PALAVRA DE DEUS E AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE

Para a constituição de uma CEB, é clara e evidente a presença iluminadora da Palavra de Deus. Esta mesma Palavra é tomada por cada participante da CEB, com tamanha intimidade, que surpreende. Falam dela e a partir dela com uma propriedade e peculiaridade incríveis. Ao mergulharem na Bíblia, sentem-se em casa, à vontade para concordar, discordar, aplicar, aconselhar, recomendar... Assim como as primeiras comunidades tomaram os escritos sagrados do primeiro testamento e viram em diversas de suas imagens e passagens a prefiguração das ações de Jesus ou aplicaram de alguma forma tais fatos e acontecimentos a Ele, permitindo construir o Segundo Testamento e compreender o momento em que viviam, as CEBs, nesta mesma linha, tomam nas mãos a Bíblia e fazem uma releitura de sua história. Tentam projetar sobre ela o olhar de Deus. O povo das CEBs encarna o que nos fala o Concílio Vaticano II sobre a Palavra de Deus: “No seu imenso amor, (Deus) fala aos homens como a amigos e conversa com eles, para os convidar e admitir a participarem na sua comunhão.”
A existência dos Círculos Bíblicos (que muitas vezes foram os grupos originários de muitas comunidades) e o CEBI com sua Leitura Popular da Palavra de Deus proporcionaram às Comunidades reconhecerem-na como “o coração das CEBs”. Os pobres, particularmente, com sua sabedoria sentem-se acolhidos pelo Deus de Jesus que revelou seus segredos aos pequeninos.
A palavra de ordem é “discernimento”. Escutar, estudar, compreender para escolher, decidir, planejar e concretizar o projeto de Jesus. As CEBs nestes anos aprenderam que os textos bíblicos não podem ser olhados somente a partir de sua vida ou somente a partir da “letra em si”, desenvolvendo uma leitura fundamentalista. Não se trata também de cada um ler a palavra a seu modo, individualmente , correndo às vezes o perigo de cair em “partidarismos” ou seja, a defesa dos interesses de um ou de outro, a caminhada ensinou que se o pré-texto é importante (sua vida, realidade, situação, anseios, valores...) mas o contexto (comunidade que reza, lê e re-lê a Palavra) é também necessária. É neste nível que também está a contribuição do CEBI, em articular estes dois níveis e proporcionar uma leitura madura e segura da Bíblia.  
Como se dá este estudo ou interpretação bíblica?
Em vários encontros ou novenas que as Comunidades preparam, vem sempre antes do Texto Bíblico (às vezes depois) um “fato da vida” que previamente escolhido está relacionado à passagem bíblica. Em seguida (ou vice-versa) se lê o texto, partindo para um confronto entre os dois textos, por meio de perguntas dirigidas (às vezes não se dispensa perguntas específicas para cada texto e somente depois há o direcionamento para o confronto entre os dois textos). Mas não poderíamos dizer que há aquele perigo de forçar o texto, incorrer em erro? Claro que sim. Inclusive acontecem interpretações equivocadas, mas, geralmente, no processo de “reflexão em mutirão” costuma se esclarecer melhor as coisas, pois cada membro do grupo ou da comunidade fala um pouquinho “daquilo que compreendeu”. Também, estes grupos, preponderantemente seus líderes e coordenadores costumam passar por encontros contínuos de formação para ajudarem a desenvolver uma reflexão mais “de acordo” com o “texto”. O pré-texto é dado diretamente pelo grupo a partir da experiência de vida da comunidade. O mais interessante é justamente, a novidade que as pessoas mais simples conseguem enxergar nas “entrelinhas” do texto, elementos que aqueles que às vezes estudam mais sistematicamente, não percebem: é a sabedoria popular que falta, esta sensibilidade capaz de apreender ou perceber o “espírito” do texto, ou melhor, o que o Espírito quer nos revelar com ele.
Podemos dizer então que: “Nas CEBs se interrelacionam três referências centrais: a realidade , a Palavra de Deus e a comunidade. Esta, à luz da Palavra, interpreta a realidade e assume a responsabilidade de manifestar o Reino de Deus.”[59]

Nesta maneira de ler a Palavra de Deus não há distância entre o que se vive todo dia, cotidianamente (realidade ou pré-texto) e o que Deus quer para seu Povo de todos os tempos e lugares (revelado no texto). Desta relação surge a necessidade de um posicionamento da comunidade diante da Palavra e da realidade, brotando o compromisso  da comunidade frente ao mundo no qual está inserida.  Em poucas palavras as CEBs lêem a Bíblia na Vida e a Vida na Bíblia!


[1] Luis Moscone, Atos dos Apóstolos, Como ser Igreja no início do terceiro milênio, p. 13.
[2] LG 9
[3] LG 1
[4] Texto Base do 10º Intereclesial das CEBs
[5] Constituição Apostólica de Convocação do Concílio Vaticano II, p.12.
[6] A gênese das CEBs no Brasil, elementos explicativos, p. 304. palavra  usada por Faustino Couto Teixeira  para falar do “desabrochar” das Comunidades no Brasil.
[7] José Comblin, Cristãos rumo ao século vinte e um, p. ??
[8] Atos dos Apóstolos, Mosconi, p.23
[9] A gênese das CEBs no Brasil, p.318.
[10] Expressão de Ivo Lesbaupin em Comunidades que lutam por Justiça, in. Texto-Base do 10º Intereclesial, pp. 85-102.
[11] José Oscar Beozzo, Introdução do Texto-Base do 10º Intereclesial, p. 7.
[12] Expressão muito comum na boca de diversos “assessores históricos” das Comunidades como Clodovis Boff.
[13] Carta às Comunidades, in. A Caminho Especial, p. 10.
[14] Doc. 25, n. 3
[15] DP 96
[16] DP 629
[17] DP 632/644
[18] DP 641.
[19] DP 98/630
[20] EN 58
[21] EN 58
[22] Pronunciamentos do Papa no Brasil,  p. 198
[23] Santo Domingo, 61
[24] Santo Domingo, 61 citando RM 51
[25] Santo Domingo, 94
[26] Santo Domingo, 54
[27] Eclesiogênese, as Comunidades Eclesiais de Base reiventam a Igreja.
[28] Idem, p. 9
[29] Idem, p. 21
[30] CEBs, gente que se faz gente na Igreja, p. 71
[31] José Marins, Comunidades Eclesiais de Base na América Latina, Concilium 104,20,  citado em Eclesiogênese p. 24.
[32] Eclesiogênese, p. 27
[33] Puebla, 641
[34] CEBs, gente que se faz gente na Igreja, p. 92
[35] CNBB, doc. 25,  44
[36] Idem, 45
[37] Luta pela Paz, as causas de Pedro Casaldáliga, p. 93
[38] Puebla, 643
[39] Texto-Base do 9º Intereclesial, p. 81
[40] Texto-base do 9º Intereclesial, p. 86
[41] Texto-base do 9º Intereclesial, p. 88
[42] Conferir Carta às Comunidades, n. 15
[43] Doc 25, CNBB, n.79
[44] Dinâmica de Grupo, Jogo da vida e Didática do Futuro, pp. 21-23.
[45] Nossa Espiritualidade, p. 35.
[46] CEB, Um novo jeito de ser Igreja, p. 88.
[47] Atos dos Apóstolos, Como ser Igreja no novo milênio, p. 113.
[48] LG 6
[49] LG 8
[50] As Comunidades de Base em Questão, p. 179 e tb. pp. 198-201.
[51] José Marins e Equipe, Virá o dia... As CEBs como realidade, desafio e projeto, p.23
[52] As Comunidades de Base em Questão, p. 79
[53] LG 31
[54] Como se faz uma Comunidade Eclesial de Base, D. Luís Fernandes, pp. 43-57.
[55] Pe. José Herval Pereira fala  desta primeira etapa de uma comunidade como o momento propício de desenvolvimento da amizade, da proximidade entre os membros. O grupo de interesse proporciona o conhecimento das pessoas entre si e de seu re-conhecimento como irmãos e irmãs da mesma caminhada, que podem mais à frente compartilhar de mais aspectos da sua vida cotidiana, seja intra-eclesial ou extra-eclesial.
[56] Como se faz uma Comunidade Eclesial de Base, p.55
[57] CEB, Um novo modo de ser Igreja, p. 78.
[58] As Comunidades de Base em questão, p. 134.
[59] José Marins e Equipe, Virá o dia... As CEBs como realidade, desafio e projeto, p. 28.

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