AS CEBS VÃO BEM, OBRIGADO.
Luiz Alberto Gómez de Souza
Sociólogo,
assessor das CEBs, de
movimentos e pastorais sociais
Afirmações
discutíveis.
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Os primeiros se apressam em tirar conclusões, facilmente
acolhidas por todos aqueles para quem as CEBs e as pastorais sociais perturbam,
com suas incômodas críticas ao sistema social dominante e a estruturas
religiosas autoritárias. Outros pareceriam
perder confiança nas suas propostas e, colocando-se numa atitude defensiva, dão
sintomas de sentir-se ameaçados e, talvez mesmo, derrotados por antecipação.[1]
Gostaria de questionar estes diagnósticos, aparentemente
opostos, mas na verdade mais próximos uns dos outros do que parecem à primeira
vista, pois possivelmente trabalham
com alguns pressupostos semelhantes: a
visibilidade na mídia como critério de relevância, não saber ler as
contradições inevitáveis da realidade e privilegiar a dimensão do poder e da
autoridade. Aliás, para entender as análises, há que começar desocultando os
pressupostos implícitos em muitas delas.
Serei rápido no primeiro dos pressupostos, alongando-me mais nos dois
outros.
Sabemos que a mídia corre atrás de novidades e tem pouca
paciência para acompanhar o que se faz habitual. Em geral ela não inventa fatos
novos, mas pode engrandecê-los ou negar-lhes importância. Produz freqüentemente
uma profecia auto realizada: insistindo no
possível impacto de um determinado acontecimento e dando-lhe muita
exposição, acaba induzindo os leitores e os auditores a apoiá-lo, com o que
prova logo adiante o que apenas indicava como hipótese. Leva o público a
orientar-se na direção de suas afirmações. Aparecer com freqüência na mídia não
é necessariamente prova da relevância de um fato. Este último se testa na sua ação concreta e não apenas no seu
reflexo na informação.
Além disso, assim como a mídia pode superestimar um fato,
pode também ignorar ou boicotar outros,
aos que não dá atenção ou sobre os quais
gostaria de baixar um véu de silêncio intencional. Passou por alto ou minimizou as grandes manifestações de protesto em Brasília ou a
recente marcha dos sem-terra, muito mais decisivos do que insignificantes
episódios do dia a dia de figurões políticos, que têm sua imagem
permanentemente exposta à opinião pública.
A leitura da
realidade.
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Vejamos isso exemplificado nas próprias CEBs e em análises de conjuntura da Igreja. Quando
se fala das CEBs nos anos 70, tempo em que eram novidade para os estudiosos de
então, ficam na memória experiências
pioneiras em Goiás, Vitória, Crateús, João Pessoa ou Rio Branco e, logo depois,
na periferia de São Paulo. Essa memória é seletiva e retém os aspectos mais
significativos e o que eles trouxeram de impacto. Passam-se por alto as
dificuldades, os tropeços e inclusive os fracassos. Esquecemos que essas
práticas, por mais fortes que tenham sido, eram enormemente minoritárias na
Igreja brasileira de então – as minorias abraâmicas de D. Hélder -, sendo violentamente
resistidas em um bom número de dioceses.
Analisando os primeiros encontros nacionais das CEBs, os
dois primeiros Inter-eclesiais de Vitória ( 1975 e 1976 ), descobrimos ali um
pequeno número de participantes, agentes de pastoral, assessores e bispos. A partir de então o
número vai em aumento e é do VI Encontro de Trindade para cá ( 1986 ), que a
participação vai chegando aos dois mil delegados e os bispos presentes se
aproximaram da centena .[2]
Além disso, se fizermos o mapeamento de sua distribuição geográfica, ela se
amplia enormemente, cobrindo áreas novas. Houve crises em lugares históricos,
no Espírito Santo ou em áreas do nordeste, por exemplo, mas desabrocham no Alto
Uruguai ou no interior de Santa Catarina. A quantificação do número das CEBs sempre
foi imprecisa, desde as primeiras estimativas, até a pesquisa CERIS/ISER, que
tratou desde um recorte um pouco
diferente, as comunidades eclesiais católicas. Porém, o que se pode dizer com certa segurança é que
elas se mantiveram, nos últimos anos, no mínimo entre 60.000 e 80.000 .[3]
Mas a quantidade não é de forma alguma o mais decisivo,
porém o impacto e a relevância na vida
eclesial e social. Ao que tudo indica, as CEBs foram se integrando cada vez
mais naturalmente na prática de um número crescente de dioceses e se tornaram
elementos determinantes nos planos de pastoral. Não são de maneira alguma corpos estranhos no
tecido eclesial. Estão presentes nos momentos significativos da realidade
religiosa e social brasileira. E o fato
de serem criticadas e questionadas, pode ser inclusive um sinal indireto de sua
importância, por serem incômodas, dentro da própria instituição ou na
sociedade, para os que gostariam de anunciar rapidamente sua morte. Os
encontros regionais das CEBS têm sido a ocasião para visibilizar seu dinamismo
pelo Brasil afora. É só estarmos atentos às informações que chegam das Igrejas
particulares e às análises feitas por aqueles que as acompanham de perto para
poder perceber sua presença ativa.[4]
Quando uma experiência deixa de ser novidade para
integrar-se no cotidiano de uma instituição, podem ocorrer duas coisas e, às
vezes, se dá um pouco de cada uma delas. Por um lado, as rotinas e os hábitos
tradicionais tentam reabsorvê-las, cooptando-as
e integrando-as em seu velho marco. Mas elas podem também passar a dar impulso e energia a novos jeitos
de ser e de fazer. Isso já foi pressentido quando se passou do carisma
ofuscante de Francisco ou de Domingos, para a história dos franciscanos ou dos
dominicanos - com crises complexas como a dos “fraticelli”, esmagados pelo
poder eclesiástico e vítimas de seus próprios excessos.
Quanto às CEBs, têm havido, é claro, a tentativa de
ressituá-las ou de enquadrá-las dentro das estruturas eclesiásticas
tradicionais, como uma espécie de sub-paróquias no velho sistema. O documento
de Santo Domingo, em 1992, dá indicações nessa direção, ao contrário das
conclusões de Puebla, em 1979, onde as CEBs são apresentadas com seu carisma
próprio e no que têm de original.[5] É
verdade que aqui e ali, debaixo de seu
nome sobrevivem velhos hábitos, mas vendo-as numa análise mais cuidadosa pelo
Brasil afora, para quem viaja e participa de cursos e
treinamentos, elas foram criando e solidificando um novo
espaço popular de intensa participação dos cristãos, de testemunho de
fraternidade concreta, de criatividade celebrativa, de fértil leitura bíblica
enraizada no cotidiano e de compromisso com a transformação da sociedade.
Chegaram para ficar e para renovar as práticas eclesiais. Dificuldades, recuos,
crises? Claro que sim. Mas isso não é novidade alguma na história.
Freqüentemente, inclusive, as crises são sinal de vida. Não têm crise as
experiências mumificadas e empalhadas, que simplesmente sobrevivem por inércia.
A idealização e simplificação do passado e a dificuldade de
ler a complexidade do presente, também permeiam algumas análises de
conjuntura da Igreja brasileira nas
últimas décadas. Vejamos o caso dos bispos, tão citados nas análises, ainda que
não devamos reduzir a história das
Igrejas particulares à de seus pastores.
Escreve-se com nostalgia sobre os
bispos pioneiros das CEBs e das pastorais sociais, uma geração que vai chegando à aposentadoria,
D. Tomás Balduíno, D. Antônio Fragoso, D. Waldyr Calheiros, D. José Rodrigues,
Cardeal Arns - sem falar da morte recente do primeiro de todos, o bispo-profeta
D. Hélder Câmara. Lembra-se a geração seguinte, D. Moacyr Grechi, D. Luis
Fernandes ou D. Pedro Casaldáliga, já pressentindo sua saída do governo
diocesano. Mas nem sempre se percebe que a história continua para a frente com a chegada de outros
protagonistas, trazendo novas energias e estilos diferentes [6].
Aliás, os bispos eméritos, liberados de
cargas administrativas, podem exercer uma função pastoral mais livre e mais
profética, como vemos com D. José Maria
Pires ou D. Cândido Padim. Esquecemos
também que algumas figuras centrais da Igreja latino-americana se
transformaram, vindo de posições conservadoras, do integrismo religioso ou,
entre nós, do integralismo político.Tudo indica que alguns, quando foram
nomeados, não representavam ameaças aos figurinos curiais de então. O caso
clássico é o de D. Oscar Romero, transferido de Santiago de Maria para San
Salvador, com a desconfiança das comunidades eclesiais da capital e de seus
assessores. Hoje se insiste que a escolha de novos bispos se realiza dentro do
perfil próprio de uma Igreja “da volta à grande disciplina”. As nomeações,
enquanto persistir esse processo de indicação do alto, sem diálogo nem
participação das Igrejas particulares,
normalmente se têm feito a partir dos modelos hegemônicos nos centros de poder.
Porém a história traz surpresas e produz transformações inesperadas. Se isso
aconteceu antes, por que não seguirá ocorrendo ainda agora? É enganoso comparar
o passado no que já tem de definitivo, com um presente ainda incerto, aberto
para avanços ou, também, não esqueçamos, para recuos às vezes bem curiosos.
Afinal, pensando na história da Igreja, temos visto processos nessas duas
direções...
Mas cuidado, com isso
não queremos ignorar que há conjunturas mais favoráveis do que outras. Parece
inegável que a Igreja latino-americana viveu, de Medellin 68 a Puebla 79, uma
“década gloriosa”, aberta à experimentação e à audácia. Quem assistiu o clima
quase asfixiante de Santo Domingo 92, pode dar-se perfeitamente conta de que a
etapa seguinte foi bem mais difícil. Estamos hoje mais perto do estilo
centralizado e magisterial de Pio XII, do que do jeito do bom Papa João, nos tempos do Vaticano II.
Entretanto, por que não ousar pressentir movimentos subterrâneos que já podem,
quem sabe, estar preparando um Vaticano III? Contei, em texto recente, como D.
Hélder e Ivan Illich, ao final do Vaticano II, começaram a pensar no Concílio
seguinte e como fui para Cuernava, em 1965, por conta dessa tarefa. Quando
transmiti a Alceu Amoroso Lima meus entusiasmos juvenis a esse respeito, ele me indicou, em carta escrita dias antes
do golpe militar que, por sua idade não veria o Vaticano III, mas que talvez eu
lá chegasse. Hoje me aproximo dos anos do Dr. Alceu de então, e não tenho
tanta certeza assim. Passo o desafio
para os mais jovens.[7]
João XXIII falou do Concílio que convocou, como uma “flor de inesperada
primavera”. Por que não esperar e ajudar a preparar outra primavera mais
adiante? O inesperado não cai do alto já pronto. Ele se gesta nos caminhos
submersos da história e nas práticas do cotidiano; podemos participar de sua criação. Nem o passado foi isento de dificuldades
e fracassos, nem o presente está fechado. Nós é que às vezes colaboramos para
deixá-lo sem saídas, com nossas inseguranças, frustrações e falta de confiança.
“A história não caminha ao ritmo de nossas impaciências”, é a frase do poeta
Antonio Machado que gosto de repetir sempre.
As ciladas do
poder.
Tenho a impressão de que o pessimismo de certas análises vem
da parte de pessoas muito condicionadas pela instituição - especialmente
clérigos e religiosos -, sujeitas mais diretamente às pressões da
autoridade eclesiástica. Talvez os leigos,
vivendo na sociedade, certamente com outras dificuldades ali, mas também com
outros centros de interesse, estejamos menos submetidos às conjunturas
eclesiais – ou eclesiásticas - mais
fechadas. Em algumas situações de Igrejas latino-americanas, com episcopados
fortemente conservadores, isso pode ser bastante difícil e sofrido. No caso
brasileiro, a situação está bem mais aberta. E aqui nos aproximamos do terceiro
suposto, talvez o mais importante. Falseamos nossas análises se privilegiarmos
em demasia a dimensão da estrutura de poder e de autoridade, fazendo uma
leitura de cima para baixo, a partir dos atos do magistério e não da vida
eclesial concreta, onde as CEBs continuam a ser determinantes, se levarmos
realmente em conta as informações que nos chegam das igrejas particulares.
As análises de conjuntura eclesial freqüentemente põem a
ênfase nos aspectos institucionais, dando atenção central às relações com o
poder, como se elas fossem as mais determinantes. Sobra pouco espaço, às vezes,
para descrever a dinâmica concreta das práticas. Com isso se dá mais
importância ao eclesiástico – o mundo
dos clérigos e das regulamentações - , do que
ao eclesial - o mundo da comunidade
de Fé.
No que se refere ao poder eclesiástico, as reações às vezes
são inclusive contraditórias. Alguns temem que a aprovação e a oficialização
levem à cooptação, para um pouco mais adiante, lamentar a falta de apoio mais
explícito da autoridade. Como dirigente da Ação Católica de juventude vivi, faz
umas décadas, as ambigüidades do “mandato”,
que o episcopado conferia aos movimentos, oficializando-os. Isso lhes
dava uma posição de certo privilégio diante de outras organizações eclesiais,
ajudava seus dirigentes a penetrar em dioceses arredias, ou a enfrentar setores
relutantes do clero. Por outro lado, outras vezes inibia ousadias e novas
experimentações, como as que viveu a Juventude Universitária Católica (JUC) na
política estudantil do começo dos anos 60,
em suas relações com outros grupos jovens da esquerda política [8]. O
apoio pode ser incentivo, mas também pode asfixiar. Depende de como ele é
exercido e recebido.
Mas não sejamos simplistas. Leonardo Boff estudou com
maestria a relação entre carisma e poder [9].
Isso lhe valeu não poucos problemas, já que mexeu num vespeiro de
suscetibilidades. Os dois elementos convivem na realidade e toda
institucionalização não pode escapar de estruturas formais e de mecanismos de
regulação e de poder. Os carismas precisam inclusive da sombra do poder para
difundir-se e legitimar-se e assim, o santo Francisco de Assis procurou um dia o poderoso Papa Inocêncio III.
Entre nós, ninguém
experimentou melhor isso do que D. Hélder Câmara, profeta e carisma vivo, mas
ao mesmo tempo, hábil e malicioso utilizador do poder e, às vezes, quem sabe,
fortemente tentado por esse mesmo poder.[10] Como Secretário Geral da CNBB, por ele
fundada em l952, abria caminho para as audácias que, como Assistente Nacional
da Ação Católica desde 1947, permitia que os leigos realizassem. Os que
acompanhamos de perto suas ações, sabemos que o segredo de D. Hélder era que,
confiando nos leigos e nos jovens, não usou o poder para coibir experiências.
Pelo contrário, sem deixar de alertar e mesmo de criticar, paternal e
fraternalmente, ele estava atento para que a criatividade e a experimentação
não fossem esmagadas pelo medo e pela prudência. Para exemplificar, é muito
significativa uma “nota reservada” de D. Hélder aos bispos, em 1960, sobre o
encontro dos dez anos da JUC e as notícias deturpadas na imprensa acerca de
“rumores de influência marxista” no movimento. Indicando que “aqui e ali,
alguma expressão oral ou até escrita se ressinta de imprecisão doutrinária ou
se revista de excessiva audácia”, o que não seria de espantar num encontro de
jovens, afirmava categoricamente “que a JUC, longe de estar exorbitando ao
tentar o esforço que vem tentando, está vivendo uma hora plena e merece o apoio
e o estímulo do Exmo. Episcopado”.[11]
Ele pressentia que ali estava uma experiência da maior relevância para a Igreja
no Brasil. Mais adiante, já tendo D.
Hélder deixado os cargos na CNBB e na Ação Católica, o mandato criou problemas
para um compromisso crescente dos jucistas na política universitária e o
caráter oficial e mandatado da JUC esteve, em parte, nas origens das crises que
levaram à sua extinção. Algo semelhante ocorreu na França e no Canadá com os
movimentos equivalentes.[12]
As CEBs, em outro contexto eclesial, podem viver situações até certo ponto análogas.
Ligadas organicamente às igrejas
particulares, solicitam o apoio, a orientação e o estímulo dos pastores, mas
sem perder as margens da experimentação e da criatividade.
Poder e influência mal compreendidos podem levar a
equívocos, não apenas nas análises dos fatos, mas também nas estratégias
propostas, na organização das práticas e nos planos de ação. O exemplo do
paradigma marxista, desse ponto de vista, é interessante. A análise de Marx,
com todas as suas limitações, é um instrumento útil para apreender e criticar
os mecanismos do sistema capitalista e suas estruturas de poder econômico,
político e social. Torna-se bem mais discutível quando é utilizada para
desenhar um projeto socialista onde, em
sua vertente leninista, privilegia os próprios mecanismos de poder do sistema,
para tentar criar um caminho alternativo impositivo, a partir da tomada do
poder por uma revolução política. O socialismo real não é apenas uma distorção
acidental, mas está inscrito na própria
lógica de uma proposta que nasceu autoritária. Também a categoria gramsciana de
hegemonia, útil para conhecer a “direção intelectual e moral” dos setores
dominantes, pode ser ambígua se proposta como receita para a criação de outra
hegemonia, que simplesmente inverte a situação vigente, sem questioná-la em
seus fundamentos e em sua lógica interna. Nesse sentido, o marxismo é
terrivelmente prisioneiro dos paradigmas da modernidade e da razão
instrumental. Criticando certeiramente o capitalismo, não consegue negá-lo
dialeticamente – apesar de fazer todo um discurso sobre a dialética - para
tentar ir mais além de seus mecanismos habituais de poder. Utilizar esses
mesmos mecanismos - a coerção de Gramsci
- para destruir a hegemonia anterior, é cair prisioneiro de seus supostos,
reproduzindo-os pouco mais adiante e ser incapaz de superá-los. Capitalismo
real e socialismo real foram sendo verdadeiros irmãos siameses, filhos da mesma
modernidade. Um processo violento contra a violência, ou autoritário contra a
autoridade, é autodestrutivo. Às vezes, o que vemos é a reação contra uma certa
utilização do poder, não a crítica radical do poder constituído com seus
mecanismos perversos. Sempre teremos de conviver com algum tipo de poder e com
sua presença na transformação da
sociedade, mas é necessário repensá-lo e revisá-lo em profundidade e em sua
lógica interna de funcionamento.
A transformação da sociedade não se faz de cima para baixo,
mas se prepara dentro dela, em suas diferentes estruturas e espaços. É esse o
sentido do chamado de Betinho, em lúcido e certeiro artigo pouco antes de uma
eleição presidencial, que tinha o título de “Opção pela sociedade”. Ali ele
alertava que as mudanças societais mais
profundas não podem ficar na dependência
de trocas na cúpula do poder político .[13]
Depois das apostas nas revoluções políticas, nos dois últimos séculos – a de
Outubro se liquefez, vítima de seus limites – sentimos que há alguma coisa mais
profunda, um verdadeiro processo de mutações sociais, no contexto de uma crise
de civilização, que recria, a médio e longo prazo, todo o tecido social.[14]
Algo semelhante, talvez, deveria ser dito em relação às
transformações eclesiais. A história da Igreja não se resume às crônicas dos
pontificados – alguns bem pouco edificantes - , ou dos documentos dos episcopados, mas vai se
processando em todo o corpo eclesial, sacudido pela ação do Espírito, através
dos carismas dos fundadores e dos reformadores e principalmente da Fé e da
Caridade, sem esquecer a atenta Esperança, na vida concreta dos cristãos. Os
bispos holandeses, em 1960, preparando o Vaticano II, indicaram que um
concílio, ato colegiado do magistério, era “a concretização , particularmente
expressiva, do que já ocorria, de maneira mais ou menos despercebida, na vida
do povo de Deus”[15].
E a caminhada das CEBs certamente é uma contribuição nesse processo mais amplo
da Igreja.
Um paradigma de
pluralismo.
Por que digo tudo isto? É o momento não apenas de criticar
os pressupostos implícitos nas análises
que andam por aí, mas de procurar caminhos teóricos e práticos para propostas alternativas e para novas práticas,
a partir de outros paradigmas. E um deles é o paradigma da diversidade e do
pluralismo, em reação à tentação totalitária e totalizante do século XX e que,
em termos eclesiais, se realiza como integrismo. O mundo que está nascendo vai
se abrindo ao pluralismo e à diversidade, apesar dos esforços do velho sistema
- capitalismo real ou socialismo real, não importa - para homogeneizar,
massificar e centralizar. Ou da tentação de cristandade ou de nova cristandade.
Talvez o leitor se pergunte pela razão destas considerações,
num texto sobre as CEBs . É que estas, talvez não conscientemente, nasceram e
se inscrevem já no âmbito experimental de um novo paradigma. Um texto anterior,
publicado em 1992 e preparado para o primeiro seminário nacional em Goiânia
sobre as CEBs, começava com a pergunta: centralização ou pluralidade? E trazia
logo a indicação: o caminho criativo das CEBs. Ali se dizia que as CEBs
surgiram “no novo clima pós-68, e poderíamos dizer pós Vaticano II”. Elas
correspondem a um novo tipo, inédito, de organização. Em lugar dos movimentos
centralizados, com direção nacional e mesmo internacional, próprios do mundo
industrial moderno, como foi inclusive o caso da Ação Católica especializada de
minha juventude, as CEBs são sobretudo uma rede de experiências eclesiais
diversificadas, diferentes entre si, não
seguindo uma receita prefixada, mas respondendo aos desafios de
realidades sociais e eclesiais específicas[16].
Uma CEB de Goiás
nasceu diferente de outra de Crateús ou de São Paulo. Sem secretariado
nacional, apenas uma “comissão ampliada” faz a ponte entre os encontros
nacionais, significativamente chamados de Intereclesiais, isto é,
intercomunicando igrejas particulares. Trata-se de outra concepção, diferente
de movimentos centralizados como Opus Dei ou Comunhão e Libertação, muito
voltados para a obtenção de poder e com laços bem palpáveis com o mundo
industrial capitalista moderno. As CEBs
experimentam, talvez sem se darem bem conta, um novo paradigma de
atuação. Nesse sentido, elas são mais originais do que imaginam. O século XIX,
depois da primeira revolução industrial, nos deu as centrais sindicais, as
grandes burocracias e preparou as gigantescas urbanizações e a produção
fordista em série de enormes conglomerados. Hoje, as forças produtivas da nova
revolução tecnológica da informática nos permitem entrar nas redes de
intercomunicação, com a possibilidade de novas maneiras de produzir bens e de
organizar-se em sociedade, a partir de unidades menores descentralizadas.
As CEBs são novos jeitos de ser Igreja. Prefiro o plural, já
que não há uma receita única prefixada.
E tenho dificuldade com a idéia de que já constituam a nova maneira de toda a
Igreja ser, o que pareceria a imposição precipitada de um modelo, dentro dos
velhos hábitos mentais da fórmula única. Na Igreja, vivemos neste segundo
milênio, um processo que começou com a reforma gregoriana do século XI,
centrada nos clérigos, para defendê-la, naquele momento, do poder político
feudal. Não estaremos experimentando, aos poucos, outras maneiras de ser, de
fazer e de viver a Fé no próximo milênio? As CEBs não poderão estar sendo
laboratórios desta eclesiogênese do futuro?[17]
Mas o pluralismo não é apenas uma exigência interna, ele se
impõe diante de outras experiências, do
ecumenismo ao diálogo inter-religioso e, evidentemente, no diálogo dentro do
próprio mundo católico. Disputar hegemonia com outros movimentos ou ficar na
defensiva diante deles, é cair na velha tentação da intolerância e da fórmula única, ainda que camuflada. Às vezes,
há mais compreensão com os cultos afros ou as experiências orientais do que com
os pentecostais evangélicos ou com os
carismáticos católicos.
Comunidade e
massa.
O crescimento do movimento carismático é sinal de uma enorme sede de sagrado que
sacode o mundo moderno em crise. Este apostava num processo de secularização e
de superação do religioso. Hoje, o religioso está mais presente do que nunca.
Não é que tenha ocorrido uma volta do
sagrado; ele nunca se afastou da realidade. As análises modernizantes é que
tentavam em vão negá-lo, até que sua força e vitalidade fizeram ruir as
pretensões de um desencantamento do mundo[18].
Há um clima de busca de transcendência e uma sensibilidade acesa diante do mysterium tremendum, do numinoso analisado por Rudolph Otto em
livro clássico.[19]
E a explosão dos novos movimentos no mundo cristão e no mundo católico em particular, tem a ver
com essas expectativas. Inclusive as várias experiências pastorais adquiriram
elementos desse novo estilo.
Lembro que, durante o VI Intereclesial de Trindade, tinha de
passar diante de uma igreja evangélica pentecostal antes de ir para o plenarião
das CEBs. Havia um clima, no ritmo, na música e na dança, que aproximava, com
as devidas diferenças, esses dois espaços religiosos. As celebrações das
CEBs -
vivemos isso intensamente no IX Intereclesial de São Luis - são cada vez mais telúricas, carregadas de
simbologia, de gestual, de uso do corpo e dos elementos da natureza. Faz anos,
uma reforma litúrgica moderna e elitista, voltava ao gregoriano e à sobriedade
das celebrações, em reação à religiosidade popular do “Queremos Deus” e de “Com
minha mãe estarei”. O povo reapropriou-se das liturgias e voltaram as romarias,
os benditos e os cantos de louvação. A
cultura e a sensibilidade das bases trouxeram novamente o colorido da festa e
da participação das massas. Gustavo Gutiérrez, no Seminário Teológico
Internacional de São Paulo, em 1980, insistia na necessidade de uma pastoral de
massa. Foi o tema do Intereclesial de São Luis em 1997. Mas o desafio é como
articular comunicação de massa e pequena comunidade, mídia e encontro
interpessoal.
A dúvida diante de certas experiências de movimentos
recentes e das mobilizações aeróbicas, não é tanto pelo que elas despertam, já
que podem ser aproximações para a descoberta de Deus, como uma etapa de
iniciação e de catecumenato para a Fé, mas freqüentemente anterior a
ela. A questão é saber como esses
atos-espetáculo, às vezes espasmódicos, podem ter continuidade, no cotidiano da
vida eclesial e encaminhar a uma real vivência cristã, com tudo o que isso
implica. Vimos, nos anos 70, surgirem entusiastas propostas de movimentos de
jovens que deixaram poucos sinais. Tantos cursilhos levaram a aparentes
conversões repentinas que, sem apoio, perderam logo adiante sua força
convocatória inicial. O grande desafio, aliás, para as religiões em nossos
dias, diante dessa sede de sagrado, é de criarem espaços de acolhimento e de
alimentação permanentes. Ofuscados pela
grandiosidade das mobilizações recentes, num clima de um certo triunfalismo e
de competição com outras religiões que
pareciam mais exitosas até bem pouco tempo atrás, pode-se perder um certo
sentido crítico e passar por cima das
reais exigências de uma Fé adulta. Não sei se alguns desses movimentos recentes
poderão responder a estas últimas. O seguimento de Jesus tem de levar a uma
Caridade ancorada no compromisso com os pobres e com a justiça social e à
criação de comunidades. A volta para um espiritualismo intimista seria uma
regressão de todo um ganho das últimas décadas,
no esforço de unir Fé e vida concreta , construção do Reino e de um
mundo mais justo e mais humano[20].
A velha Ação Católica especializada, com seu ver-julgar-agir
e sua revisão de vida, suas reuniões periódicas, foi escola de “formação na
ação” e marcou várias gerações daqueles anos. Hoje as CEBs, as pastorais de
juventude e os círculos bíblicos, com a regularidade de suas celebrações e de
seus espaços de reflexão e de espiritualidade, parecem continuar essa tradição.
Além disso, surgem por toda a parte
grupos de oração e de vivência cristã. Entretanto, num outro clima, muitos
deles evitam a formalização e têm, inclusive, uma certa resistência ao
institucional. Não é o caso das CEBs, ligadas às igrejas particulares, que
entretanto, tentam guardar também uma certa liberdade de ser e de fazer e uma
flexibilidade institucional.
Experimentações em
aberto.
As CEBs são vitais porque experimentais, ágeis e
pluriformes. Há que deixar as práticas procurarem seus caminhos, como os rios
novos, tal como o Araguaia, refazendo a
cada ano seu leito. Por essa razão, temo quando se propõe formalizá-las muito
rapidamente, sob o pretexto de protegê-las ou em nome de uma enganosa eficiência.
Não há que engessá-las no figurino estreito dos códigos ou das regulamentações.
Volta sempre a tentação do velho paradigma, quando aparecem propostas para
transformá-las em movimentos tradicionais, com suas direções e diretrizes ao
velho estilo. Aliás, elas não são uma experiência entre outras, mas a própria
Igreja que se experimenta na base, de várias maneiras, sem intenção de
exclusividade ou de privatizar para si os apoios ou incentivos. Elas
sobreviverão, não pela aprovação que recebam, mas se realmente souberem
corresponder a uma necessidade vital e profunda da vida eclesial. E como as
próprias necessidades mudam, também se
abrem a novas problemáticas e a novas perspectivas. As CEBs nasceram ligadas às
lutas dos setores populares dos anos 70 e à resistência contra o regime
autoritário e concentrador de riqueza. Na medida em que novos horizontes se
vislumbram ao nível do real e da consciência possível - os temas de gênero, de
subjetividade, de raça, do corpo e do prazer, da ecologia - elas vão ampliando sua visão, às vezes com
dificuldade, mas sempre no marco de suas opções irrenunciáveis diante do
conflito social.
Acompanhá-las nos últimos anos é sentir esse processo como
fez, em excelente texto, Clodovis Boff[21].
Dois exemplos podem ilustrar. Um que vai do VIII Intereclesial de 1992 em Santa Maria, ao IX
Encontro de São Luis, em 1997. Naquele, uma violenta crise eclodiu com respeito
à presença de participantes de cultos afro-brasileiros e às reivindicações do
plenário das mulheres. Muitos se assustaram e temeram sanções. Mas esse tipo de
crise tem suas vantagens. Ele faz aflorar temas submersos, os expõe ao debate -
com o risco, é claro, de atos cortantes da autoridade - e, pouco a pouco, os
problemas a princípio aparentemente insolúveis, vão sendo encarados com maior
maturidade e tranquilidade e se incorporam nas práticas concretas. A solução se
encontra no nível do cotidiano, da criação de novos hábitos e não no debate
teórico abstrato, freqüentemente ideológico e emocional. Passaram-se uns anos
desde o VIII Encontro e, nas grandes celebrações de São Luis, vimos a
naturalidade da presença do afro-brasileiro e a visibilidade da liderança
feminina emergente e irradiante.
Ainda falta muito no
que se refere ao gênero, numa Igreja em que o sabor é ainda dado pelo
masculino, para usar expressão de Ivone Gebara.[22]
Mas é inquestionável que as CEBs são sustentadas basicamente pelas mulheres. E
vão adquirindo uma cor e um jeito das raças e das culturas do país. É verdade
que a cultura de imigração européia na
cidade-sede de Santa Maria de 1992, era diferente do mundo maranhense de 1997,
marcado pelo negro e pelo índio e pela influência iorubá. Mas mesmo assim,
independentemente da diferença do espaço físico, foram ocorrendo visíveis
mudanças no tempo. A caminhada das CEBs passou da “bitola estreita” das lutas
populares dos anos 70, para a problemática mais ampla dos anos 90, usando a
expressão consagrada do trem das CEBs e de seus trilhos de percurso[23].
O que não impede que sigam ocorrendo dificuldades, trocas de cartas e
denúncias, como aconteceu depois dos
dois últimos encontros. Faz parte do processo.
Não é o caso de apresentar um panorama unilateral e
demasiadamente otimista. Coerente com o dito atrás, sobre a complexidade da
história, há que reconhecer momentos de indecisão, de desesperança, de
regressão e de desaparecimento de experiências. A crise ideológica que
acompanhou o fim do socialismo real, trouxe desorientação para quem tinha
apostado em certos modelos sociais e políticos. Custou e custa ainda para
muitos, adaptar-se a outra postura de construção aberta e não dogmática do
futuro. Podem confundir o fim de certos projetos com o fim de qualquer utopia
ou sociedade alternativa. E nem sempre
os velhos hábitos são fáceis de superar, como o machismo e o racismo
inconscientes. Além disso, o país atravessa uma situação econômica extremamente
difícil e em deterioração crescente, onde as políticas governamentais
tornam as desigualdades cada vez mais
dramáticas. Os membros das CEBs são então obrigados a lutar por uma
sobrevivência imediata, num clima de insegurança, de desalento e de medo diante
da exclusão, dos desafios no acesso ao
trabalho e ao emprego. Mas aí, inclusive, é interessante constatar a capacidade
de resistência e de criatividade, especialmente das mulheres. Vão surgindo
assim, nas bases, experiências de
empreendimentos comunitários, no sentido de uma nova economia solidária.
Há uma energia vital e profunda que tira, das mesmas dificuldades, forças para
superá-las.Isso se reflete nas práticas novas de produção, de convivência, de
compromisso, de luta e de viver a Fé.
Fica visível nos gestos de Esperança das celebrações e na leitura bíblica que
procura mais adiante uma terra prometida por Deus.
O outro exemplo está ainda em aberto: de Santo Domingo 1992
a Ilhéus 2000. Os que estivemos presentes no momento de completar-se quinhentos
anos da chegada de Colombo às Antilhas, vivemos a tristeza e a frustração de
ver o arcebispo da capital da República
Dominicana fechar a catedral e impedir ali uma celebração penitencial de
desagravo aos negros, maioria da população local e aos índios, dizimados pelo
genocídio. O ato foi feito com pequena participação dos delegados ao encontro
dos bispos, ficando marginal ao evento oficial. Isso no mesmo momento em que
João Paulo II dava o exemplo de pedir perdão diante de vários fatos históricos.
No ano 2000, são os nossos quinhentos anos. As CEBs se encontrarão em Ilhéus,
próxima do Monte Pascoal. Elas pretendem caminhar em direção ao aldeamento
vizinho dos pataxós, donos originários daquelas terras, pedindo perdão e
licença para encontrar seus parentes mais antigos, na busca de uma
reconciliação que tem de passar por uma contrição pública. A maneira como isso
se der - e é também um desafio aos pastores da Igreja brasileira reunidos em Assembléia perto dali - vai indicar o grau de
amadurecimento do processo eclesial.
Caminhada é um termo muito empregado nas CEBs.
Eclesiogênese, dissemos atrás. As CEBs como gênese de uma Igreja que tem de se
remoçar permanentemente, buscando a juventude mais adiante - como o princípio- Esperança de Ernst Bloch, ou a
virtude teologal do mesmo nome[24].
Há processos que vivem a entropia da regressão e a vida de cada um de nós
avança para seu fim. Também a vida da espécie terá um termo a longo prazo. Mas
nos grandes ritmos da história e para além das grandes crises de civilização, a
humanidade e a Igreja podem renovar-se pelos carismas das refundações, pelas
novas correntes de espiritualidade e de santidade e pela prática dos fiéis .
Isso não se dá na repetição, mas na emergência de uma novidade criadora, de uma
Boa Nova em reconstrução permanente. Não será este o sentido profundo que
esperamos da Evangelização para o novo milênio? Para além dos diagnósticos
sombrios, gostaria de indicar como uma constatação e também como uma aposta,
que as CEBs certamente exercerão um
papel decisivo nos anos futuros, recriando permanentemente espaços de
anúncio, de crescimento na Fé e de
transformação da sociedade.
Notas:
[1] Ver
notícias recentes na imprensa: “CEBs se interrogam sobre seu papel”, Jornal do Brasil, 31 de outubro de 1999,
p.11. Comparações entre CEBs e Renovação Carismática em “A fôrça católica”, Veja, 20 de outubro de 1999, pp. 150-151
e “A festa no altar”, Época, 18 de
outubro de 1999, pp. 28-31. Alguns rapidamente se apressam em anunciar a morte
de uma teologia da libertação mal entendida – materialista! Ver Otávio Frias
Filho, “Réquiem para a libertação”, Folha
de São Paulo, 21 de outubro de 1999, p. 1-2
e a resposta oportuna de João Batista Libânio s.j., ressituando a Igreja
da libertação e indicando seu futuro ( Folha
de São Paulo, 28 de outubro de 1999, p. 1-3 ). Temos lido “brasilianistas”
proclamarem o fim das CEBs por não as encontrarem mais no centro das atenções
da mídia ou da academia.
[2] Ver
Faustino Luiz Couto Teixeira, Os
encontros Intereclesiais de CEBs no Brasil, Paulinas, São Paulo, 1996.
[3] Frei
Betto, há quase vinte anos atrás calculava as CEBs em cerca de 80.000, reunindo
cerca de dois milhões de fiéis ( do autor, O
que é comunidade de base, São Paulo, Brasiliense, 1981). Outro livro na
mesma ocasião falava de 100.000 ( Helena Salem (ed.), A Igreja dos oprimidos, São Paulo, Brasil Debates, l981). Ver para
as comunidades católicas, Rogerio Valle e Marcelo Pitta, Comunidades eclesiais católicas: resultados estatísticos no Brasil,
Vozes/CERIS, Petrópolis, 1994. A partir dessa última informação, Pedro de
A. Ribeiro de Oliveira em seu texto “CEB: unidade estruturante de
Igreja”, chega a uma quantidade em torno
a 70.000 ( in Clodovis Boff et al ., As comunidades de base em questão,
Paulinas, São Paulo, 1997, p. 131).
[4] Para
sentir a situação presente das CEBs, num balanço ao mesmo tempo concreto e
analítico, ver 10º Encontro Intereclesial , CEBs: povo de Deus, 2.000 anos de caminhada, Texto-base, Fonte Vida, Paulo Afonso, 1999.
[5] Ver
Conclusões da IV Conferência do Episcopado Latino-Americano, Santo Domingo, texto oficial, Paulinas,
São Paulo, 1992, onde no n. 61 se diz que a CEB “ é célula viva da paróquia,
entendida como comunhão orgânica e missionária”( p. 104 ). Em Puebla elas
tinham sido apresentadas como “centros de evangelização e motores de libertação e de esperança”( n.
96), onde se ensaiam “formas de
organização e estruturas de participação, capazes de abrir caminho para um tipo
mais humano de sociedade” ( n. 273 ). Nelas se expressa “o amor preferencial da
Igreja pelo povo simples” e se realiza “a participação na tarefa eclesial e no compromisso de
transformar o mundo”( n.643 ) (III Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano, A Igreja na atual
transformação da América Latina à luz do Concílio, Vozes, Petrópolis, 1979.
[6] Em
entrevista recente, o Cardeal Aloísio
Lorscheider aponta nessa direção: “Eu sinto que esses bispos novos que estão
surgindo vão ser muito parecidos ... com a velha guarda. Nós, antigos, tivemos
uma época muito difícil... Houve totalitarismo no Brasil e podemos dizer que a
única voz que podia se fazer ouvir era a voz da
Igreja... Hoje a gente vive uma conjuntura diferente, a conjuntura do
neoliberalismo, que é também muito difícil. É uma conjuntura mais econômica
e... de sobrevivência do povo ... não tenho dúvida de que o novo episcopado
brasileiro irá continuar toda a nossa trajetória e, certamente fará ainda
melhor, porque as possibilidades são bem maiores, a começar pela comunicação”.
E sobre os novos movimentos que aparecem na mídia e que serão tratados neste
texto mais adiante, afirma: “Eu pessoalmente não bato palmas para isso. Acho
que não é por aí que nós vamos conseguir aquilo que o Papa chama de ‘nova
evangelização’. É um meio, mas eu não diria que aí está a solução ... a Igreja
tem de continuar com seu trabalho orgânico, humilde, sempre confiando no
Espírito Santo e lembrando que nosso Senhor gosta muito daquelas ações
silenciosas, que não são publicadas” ( Jornal
de Opinião, 8-14 de novembro de 1999).
[7] L.A.G.
de Souza, “A caminhada de Medellin a Puebla”, Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, n 31,1999, pp. 224 e 233-234
. Alceu Amoroso Lima indicava, em sua carta de março de 1964: “Você é um militante, um engajado e diz, muito bem ,
que está no grupo dos que já ‘estão preparando
o Vaticano III’ , com toda a
razão. Do meu canto, do meu observatório de aposentado, em todos os sentidos,
de livre atirador, de peregrino e mais nada , sinto perfeitamente que o
impulso dado por João XXIII ainda não será neste século que se incorporará `a
Igreja. Talvez se João XXIII tivesse acompanhado o Vaticano até o fim.... Nós, eu pelo menos, não verei o III. Você
talvez. Mas, de qualquer modo, eu no meu canto de velho reformado, você na
linha de combate, estamos realmente preparando os caminhos para o Cristo do
século XXI, como o fizeram os 72 discípulos, que ele mandou dois a dois, prepararem os caminhos...” (in
L.A.G. de Souza, “Amoroso Lima, na permanente preparação da Idade Nova”, Revista Eclesiástica Brasileira,
Petrópolis, vol. 43, fasc. 172, dezembro
de 1983, p. 711). Com alegria vejo que
em 7 de outubro de 1999, no Sínodo da Europa, o Cardeal de Milão, Carlos
Maria Martini, expressou seus sonhos ( retomou idéia do Cardeal Basil Hume
e de Luther King, “Eu tive um sonho”), e
indicou os temas-nodais que a Igreja deveria enfrentar nos próximos anos:
“a posição da mulher na sociedade e na
Igreja, a participação dos leigos em algumas responsabilidades ministeriais, a
sexualidade, a disciplina do matrimônio, a prática penitencial, as relações com
as Igrejas irmãs da Ortodoxia e, mais em
geral, a necessidade de reavivar a esperança ecumênica”. E assim terminou sua
intervenção: “Somos levados a
interrogar-nos se, quarenta anos depois do início do Vaticano II, não estará
amadurecendo pouco a pouco, para o próximo decênio, a utilidade e quase a
necessidade de um confronto colegial e autorizado entre todos os bispos, sobre
alguns temas nucleares que emergiram neste período. Além disso, há a sensação
de como seria belo e útil para os bispos de hoje e de amanhã, numa Igreja
sempre mais diversificada em suas linguagens, repetir aquela experiência de
comunhão, de colegialidade e de Espírito Santo, que seus predecessores viveram
no Vaticano II e que agora só é memória viva para poucas testemunhas. Peçamos
ao Senhor, por intercessão de Maria, que estava com os apóstolos no
Cenáculo, que nos ilumine para discernir
se, como e quando os nossos sonhos poderão tornar-se realidade” (Publicada na
íntegra em Adista, Roma, n. 73, 16 de
outubro de 1999, p.3. A síntese em L’Osservatore
Romano, n 43 (1558) de 23 de outubro, ignora toda esta parte central da
exposição). A idéia de um novo Concílio
está posta, por voz mais do que autorizada... Talvez a agenda indicada seja
muito européia; faltariam, entre outros,
os temas do pobre, da justiça social e da exclusão.
[8] L.A.G.
de Souza, A JUC: os estudantes católicos
e a política, Vozes, Petrópolis, 1984, pp. 153-212.
[9] Leonardo
Boff, Igreja, carisma e poder, Vozes,
Petrópolis, 1981.Um dos capítulos vale ser relido, em relação ao tema aqui
tratado: Cap. IX, “A comunidade eclesial de base : o mínimo do mínimo”, pp.
196-203.
[10] O
subtítulo de uma excelente biografia de D. Hélder aponta o dilema: Nelson
Piletti e Walter Praxedes, Dom Hélder
Câmara. Entre o poder e a profecia , ed. Ática, São Paulo, 1997.
[11] Ver em
L.A.G. de Souza, “D. Hélder, irmão dos pobres”, in Classes populares e Igreja
nos caminhos da história, Vozes, Petrópolis, 1982, cap. XX, p. 290.
[12] A JUC,
op. cit., pp 213-250.
[13] Herbert
José de Souza, “Opção pela sociedade”, Jornal
do Brasil, 18 de agosto de 1994. E dizia: “sem mudar a sociedade não
adianta mudar o governo. A mudança é aparente, é uma armadilha”.
[14]
L.A.G.de Souza “Um tecido social em mutação”, Tempo e Presença, Rio de Janeiro, julho-agosto de 1995, pp. 5-8.
[15] Ver Documentation Catholique, Paris, n. 1354, 18 de junho de 1961.
[16] L.A.G.
de Souza, “Centralização ou pluralidade? O caminho criativo das CEBs”, Mutações Sociais, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 1, julho-setembro de 1992, pp. 5-11.
Pedro de Assis Ribeiro de Oliveira, estudando recentemente o problema
estrutural das CEBs, trata da “organização em rede”. Ver “ CEB: unidade estruturante...”. op. cit., pp. 135-138 e 157-160.
Para a idéia de rede, ver Francisco Whitaker Ferreira, “Rede: estrutura
alternativa de organização”, Vida
Pastoral, 173, nov.-dezembro de 1993, pp. 15-20.
[17]
Leonardo Boff, “Eclesiogênese: as Comunidades eclesiais de base re-inventam a
Igreja”, SEDOC, vol. 9, outubro de 1976, pp. 393-438.
[18] L.A.G. de Souza, “Secularização em declínio e
potencialidade transformadora do sagrado, Religião e movimentos sociais na
emergência do homem planetário”, Religião
e Sociedade, 13/2, julho de 1986, pp. 2-16.
[19] Rudolph
Otto, Lo santo. Lo racional y lo
irracional en la idea de Dios, trad. esp., Alianza Editorial, Madri, 1985.
[20] L.A.G. de Souza, “Os desafios do Pe. Marcelo
Rossi”, Boletim Rede, Petrópolis,
CAAL/Rede, ano VII nº 75, março de 1999.
Fato e Razão, MFC, Belo Horizonte, nº 38, 1999.
[21] Clodovis Boff, “ CEBs: a que ponto estão e
para onde vão”, em As comunidades de base em questão, op.cit, pp. 251-305.
[22] Carta de Ivone Gebara, de 30 de maio de 1995,
escrita “com sabor de mel”, em que fala do medo, na Igreja, da “diversidade de
sabores e odores”. Boletim Rede,
Petrópolis, CAAL/Rede, ano III, nº 32, agosto de 1995.
[23] L.A.G.de Souza, “O trem das CEBs com bitola
larga”, Tempo e Presença, Rio de
Janeiro, nº 265, outubro de 1992.
[24] Em prefácio para o livro de Faustino Teixeira
sobre a gênese das CEBs, indiquei que “não há um gênese que se esgota nas CEBs,
mas elas são processos em curso, gênese que se projeta para rever-se e inventar
coisas inéditas... elas brotam da diversidade e, felizmente, se mantêm na
diversidade... não é um modelo diferente, mas antes de tudo um percurso em
marcha, ligado àquela força transformadora com sua fonte no futuro. Aliás, isso
não é novidade, a Igreja, desde suas origens, sempre foi atravessada por
carismas que a remoçaram, ao nível da consciência possível de cada época. Aí
reside a tradicionalidade das CEBs: elas estão sendo hoje, na América Latina, o
que foram, em outros tempos e lugares, correntes renovadoras que varreram
rotinas e tradicionalismos (enquanto
tradição mumificada) e trazem até nós o sopro do Espírito que dá e refaz
permanentemente a vida”. “Prefácio”, in Faustino Luiz Couto Teixeira, A gênese das CEBs no Brasil. Elementos
explicativos, Paulinas, São Paulo, 1988, pp.12-14.
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