Carta Final do 12º Intereclesial às Comunidade
“Bem-aventurados os pobres em
espírito, porque deles é o Reino do
Céu;
Bem-aventurados os que têm fome e
sede de justiça, porque serão saciados...”(Mt5, 3.6)
1. Nós, participantes do XII
Intereclesial das CEBs, daqui das margens do Rio Madeira, no coração da
Amazônia, saudamos com afeto as irmãs e irmãos de todos os cantos do Brasil e
dos demais países do continente, que sonham conosco com novos céus e nova
terra, num jeito novo de ser igreja, de atuar em sociedade e de cuidar
respeitosa e amorosamente de toda a criação!
2. Fomos convocados de 21 a 25 de
julho de 2009, pelo Espírito e pela Igreja irmã de Porto Velho/RO, para nos
debruçar sobre o tema que nos guiou por toda a preparação do Intereclesial em
nossas comunidades e regionais: “CEBs: Ecologia e Missão – Do ventre da
terra, o grito que vem da Amazônia”. Acolhendo as delegações e
celebrando os povos da Amazônia
3.Encheu-nos de entusiasmo ver chegando, depois de
dois, três e até cinco dias de viagem os delegados, em sua maioria de ônibus
fretados, ou ainda em barcos e aviões. Em muitos ônibus, vieram acompanhados de
seus bispos e encontraram, ao longo do caminho, acolhida festiva e refrigério
em paradas nas dioceses de Rondonópolis, Cuiabá e Cáceres no Mato Grosso, Jataí
em Goiás, Uberlândia em Minas Gerais e, entrando em Rondônia, nas comunidades
de Vilhena, Pimenta Bueno, Cacoal, Presidente Médici, Ji-Paraná, Ouro Preto e
Jaru. Apresentamos carinhoso agradecimento pela fraterna e generosa acolhida de
todas as delegações pelas famílias, comunidades e paróquias de Porto Velho, o
infatigável trabalho e dedicação do Secretariado e das equipes de serviço, em
que se destacaram tantos jovens.
4.Somos 3.010 delegados, aos quais se somam
convidados, equipes de serviço, imprensa e famílias que acolhem os
participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste Intereclesial.
Dos delegados de quase todas as 272 dioceses do Brasil, 2.174 são leigos, sendo
1.234 mulheres e 940 homens; 197 religiosas, 41 religiosos irmãos, 331
presbíteros e 56 bispos, dentre os quais um da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, além de
pastores, pastoras e fiéis dessa Igreja, da Igreja Metodista, da Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e da Igreja Unida de Cristo do
Japão. O caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico de nossa
Assembléia encontra-se espelhado no rosto das 38 nações indígenas aqui presentes
e no de irmãos e irmãs de nove países da América Latina e do Caribe, de cinco
da Europa, de um da África, de outro da Ásia e da América do Norte. Queremos
ressaltar a presença marcante da juventude de todo o Brasil por meio de suas
várias organizações.
velas dos participantes, cujas luzes se espalharam
pelos degraus da esplanada, enquanto ouvíamos o canto do Cristo dos Seringais:“Na
densa floresta vai um caminheiro Cristo seringueiro a seringa a cortar... “,Os
versos eram entrecortados pelo refrão:“E vem a esperança que surja a
bonança, Não seja explorado o suor na balança”. “E vem a esperança que
surja a mudança E o homem refaça com Deus a aliança”.
7. Com o apito da sirene da Madeira-Mamoré, o trem
das CEBs retomou sua caminhada, reunindo-se no dia seguinte, na grande plenária do PORTO, aclamado pela Assembléia,
“PORTO DOM HELDER CAMARA”, pelo centenário do seu nascimento (1909-2009) e em
resgate de sua profética atuação. Iniciamos esse primeiro dia, dedicado ao VER,
partindo do grito profético da terra e dos povos da Amazônia, símbolos da
humanidade, na sua rica diversidade, deixando-nos guiar na celebração pelo som
dos maracás, tambores e flautas e pela dança de louvor a Deus de nossos irmãos
e irmãs indígenas. Dali, partimos para os locais dos mini-plenários de 250
participantes, nas paróquias e escolas. Eles levavam os nomes de doze RIOS da
bacia amazônica: Madeira, Juruá, Purus, Oiapoque, Guamá, Tocantins, Tapajós,
Itacaiunas, Guaporé, Gurupi, Araguaia e Jari.
8. Divididos nos Rios em 12 CANOAS, com duas
dezenas de participantes cada uma, partilhamos as experiências, gritos e lutas
das comunidades em relação à nossa Casa comum, a partir do bioma amazônico e
dos outros biomas do Brasil (cerrado, caatinga, pantanal, pampas, mata
atlântica e manguezais da zona costeira), da América Latina e do Caribe. Vimos
nossa Casa ameaçada pelo desmatamento, com o avanço da pecuária, das plantações
de soja, cana, eucalipto e outras monoculturas, sobre áreas de florestas; pela
ação predatória de madeireiras, pelas queimadas, poluição e envenenamento das
águas, peixes e humanos pelo mercúrio dos garimpos, pelos rejeitos das
mineradoras e pelo lixo nas cidades. Encontra-se ameaçada também pelo crescente
tráfico de drogas, de mulheres e crianças e pelo extermínio de jovens provocado
pela violência urbana.
9. Somamos
nosso grito ao das populações locais, para que a Amazônia não seja
tratada como colônia, de onde se retiram suas riquezas e amazonidades, em favor
de interesses alheios, mas que seja vista em pé de igualdade, no concerto das
grandes regiões irmãs, com sua contribuição específica em favor da vida dos
povos, em especial de seus 23 milhões de habitantes, para que tenham o
suficiente para viver com dignidade.
11. Tomamos consciência também de nossas
responsabilidades em relação ao reto uso da água, da terra, do solo urbano e à
superação do consumismo, respondendo ao apelo, para que todos vivamos do
necessário, para que ninguém passe necessidade.
12. Constatamos, com alegria, a multiplicação de
iniciativas em favor do meio ambiente, como a de humildes catadores de material
reciclável, no meio urbano, tornando-se profetas da ecologia e as de economia
solidária, agricultura orgânica e ecológica. Saudamos os muitos sinais de uma
“Terra sem males”, fazendo-nos crescer na esperança de que “outro mundo é
possível, necessário e urgente”.
13. De tarde, realizamos a Caminhada dos Mártires,
em direção ao local onde o rio Madeira foi desviado e em cujo leito seco, ao
som dos estampidos das rochas dinamitadas, está sendo concretada a barragem da
hidroelétrica. Celebrou-se ali Ato Penitencial por todas as agressões contra a
natureza e a vida humana. Defronte às pedreiras que acolhiam as águas das
cachoeiras de Santo Antônio, agora totalmente secas, ao lado da primeira capela
construída na região, foram proclamadas as Bem-aventuranças evangélicas (Mt 5,
1-12), sinal da teimosa esperança dos pequenos, os preferidos de Deus.
15. No terceiro dia, as celebrações da manhã
aconteceram nos rios, resgatando memórias da espiritualidade dos povos da
região e das experiências colhidas no caminho missionário percorrido no dia
anterior, nas visitas às muitas realidades eclesiais e sociais de Rondônia. A
oração foi alentada pela promessa do Êxodo: “Decidi vos libertar... vos
farei subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra, onde corre
leite e mel” (Ex. 3, 8). Em cada canoa, os relatos iam revelando uma igreja
preocupada com a justiça social e a defesa da vida nos testemunhos de gente
simples em todos aqueles lugares visitados. Esses relatos aqueceram nosso
coração e nos desafiaram a perseverar na caminhada das CEBs.
16. À tarde, fomos tocados por vários testemunhos.
Em primeiro lugar, pela sentida oração dos Xerente do Tocantins que celebraram
seu ritual pelos mortos, homenageando o amigo e missionário, Pe. Gunter
Kroemer. Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, retomou em sua
história a trajetória dos negros no Brasil, suas dores, resistências e
esperanças de um mundo melhor, nos seus Quilombos da liberdade. Marina Silva, senadora pelo Acre e ex-ministra do
Meio Ambiente, contou sua eu caminhada de menina analfabeta do seringal para a
cidade de Rio Branco e de lá para São Paulo, mas principalmente sua incessante
busca, a partir da fé herdada de sua avó, alimentada pela experiência das CEBs,
da leitura da Palavra de Deus e pelo exemplo de Chico Mendes, de bem viver e de
colocar-se publicamente a serviço, em favor do povo amazônida. Por fim, depois
da apresentação de Dom Tomás Balduíno, em que ele ressaltou o papel de Dom
Pedro Casaldáliga da Prelazia de São Félix do Araguaia na fundação, junto com
outros, do CIMI, da CPT e de Pastorais Sociais, acompanhamos pelo vídeo seu
testemunho e nos emocionamos com suas palavras de esperança e confiança
em Jesus e na utopia do seu Reinado.
17. Neste dia, ocorreu também o encontro da
Pastoral da Juventude de todo o Brasil e outro também muito significativo entre
bispos, assessores e Ampliada Nacional das CEBs. Momento fecundo do
estreitamento de laços e abertura a novos passos em nossa caminhada, em que foi
expressa a alegria e alento trazidos pela presença significativa de tantos
bispos. Desse encontro, os bispos presentes resolveram enviar sua palavra às
comunidades:
Palavras dos Bispos às CEBs
18. “Os 56
bispos participantes do Intereclesial, reunidos na sexta-feira à noite com os
assessores e os membros da Ampliada Nacional das CEBs, avaliaram muito
positivamente o Intereclesial, destacando especialmente a seriedade e o empenho
dos participantes no debate da temática do encontro, a espiritualidade expressa
nas bonitas celebrações diárias nos “rios”, o clima sereno e fraterno e o
grande envolvimento das comunidades das dioceses do regional Noroeste da CNBB
na organização e realização do encontro.
A presença de 331 padres que participam do
Intereclesial, levou os bispos a
exprimirem o desejo de que, neste ano sacerdotal, todos os padres do Brasil
renovem o compromisso de acompanhar as CEBs, empenhadas em testemunhar os
valores do Reino, como discípulas e missionárias.
Constatando que, a partir da Conferência de
Aparecida, as CEBs ganharam reconhecimento e novo alento em todo o continente,
os bispos tiveram também palavras de apoio e incentivo para a continuação da
caminhada das comunidades no Brasil, reforçadas pelo presidente da CNBB, Dom
Geraldo Lyrio Rocha.
Diante da
agressão continuada da Amazônia, juntamente com todos os participantes do
encontro, manifestam sua preocupação com a construção da barragem de
Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, os projetos de outras barragens no Xingu,
Tapajós, Araguaia e noutros rios e a continuada devastação da floresta pelo
avanço da pecuária, das plantações de soja e cana, e da extração ilegal de
madeira”.
Nas diferenças, o mesmo Deus que nos convoca para a
Justiça e a Paz
19. Na manhã do último dia, fomos guiados pelo
texto do Apocalipse: “O anjo mostrou para mim, um rio de água viva... O rio
brotava do trono de Deus e do cordeiro...; de cada lado do rio estão plantadas
árvores da vida... suas folhas servem para curar as nações” (Ap 22, 1-2).
Bebemos no manancial da fé que nos une a todos e todas, na única família humana,
como filhos e filhas da mesma Mãe-Terra, a Pacha-Mama dos povos andinos, a
Terra sem Males dos Povos Guarani, na busca, sonho e construção do Reino de
Deus anunciado por Jesus.
20. Juntos, representantes das Religiões Indígenas
e dos Cultos Afro-brasileiros, de Judeus, Cristãos Ortodoxos, Católicos e
Evangélicos, Muçulmanos, de mulheres e homens de boa vontade e de todas as
crenças, no diálogo e respeito à diversidade da teia da vida, acolhemos os
gritos da Amazônia e de todos os biomas e reafirmamos nossa solidariedade e
compromisso com a justiça geradora da paz.
21. Caminhamos como povo de Deus que conquista a
Terra Prometida e a torna espaço de fartura e fraternura, acolhendo todas as
expressões da vida.
23. Queremos defender e apoiar o movimento
FLORESTANIA, no respeito à agrobiodiversidade e aos valores culturais, sociais
e ambientais da Amazônia.
24. Assumimos também o compromisso de respaldar
modelos econômicos alternativos na agricultura, na produção de energias limpas
e ambientalmente amigáveis; de participar na luta sindical, reforçando a ação
dos sindicatos do campo e da cidade, com suas associações e cooperativas e sua
luta contra o desemprego, com especial atenção à juventude.
25. Convocamos a todos nós para o trabalho político
de base, para a militância em movimentos sociais e partidos ligados às lutas
populares; para participar nas lutas por políticas públicas ligadas à educação,
saúde, moradia, transporte, saneamento básico, emprego, reforma agrária e para
tomar parte nos conselhos de cidadania, nas pastorais sociais, no movimento
pela não redução da maioridade penal, no Grito dos Excluídos, nas iniciativas
do 1º. de Maio e das Semanas Sociais.
27. Queremos, a partir das CEBs, repensar a
pastoral urbana, como um dos grandes desafios eclesiais, assumir o testemunho e
a memória dos nossos mártires e empenhar-nos na Missão Continental proposta
pela V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho, em Aparecida.
Rumo ao XIII Intereclesial no Ceará
amém!
axé! auere! aleluia!
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